domingo, 14 de dezembro de 2008

Uma viagem pelo túnel do tempo? Apenas R$ 15,00, por hora.

Chega o final do ano. Alguns entram em um frenesi consumista. Outros, investem na nostalgia e no clima de auto-reflexão. Como não tenho muito dinheiro sobrando, resta-me a segunda opção.

Sim, eu tive um ano cheio. Tive meu momento Clube da Luta: larguei alegremente um emprego seguro, porém monótono e me lancei rumo ao desconhecido. Conheci lugares, conheci pessoas: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Harry Collins, Michel Callon. Nunca viajei tanto, nunca dediquei tanto tempo ao estudo. Nunca senti tanta saudades de casa e das pessoas que vivem lá em Santa Catarina. Presenciei, via internet, a calamidade. Senti na pele as diferenças culturais e a diversidade contida nas dimensões continentais de nosso país. Descobri as dificuldades e as alegrias de ter sido formado, com dificuldades, mas por mérito próprio, em uma Universidade do interior.

Já estava organizando tudo isso, mentalmente, em um balanço do melhor e do pior que me aconteceu no decorrer do ano. Surpresas? Eu poderia jurar que não haveriam muitas outras. Ainda que eu anseie verdadeiramente a chegada do ano no Vale do Itajaí, não julgava que alguma coisa pudesse ainda me libertar da nostalgia e da introspecção reflexiva e pudesse me jogar mais uma vez no meu estado de curiosidade típico de quem é, afinal, curioso.

Na última quinta-feira, meio que me convidando e sem esperar por uma resposta, acompanhei meu colega Rafael ao Banco de Dados do grupo Folha (não é preciso explicar o que é a Folha de São Paulo, não é?). Ele foi por obrigações acadêmicas - era preciso realizar uma pesquisa sobre o histórico de seu objeto de dissertação, o motor a álcool -, mas eu fui realmente movido pela bisbilhotice.

Deixar Barão Geraldo e chegar em São Paulo, de ônibus e metrô, já é uma progressiva mudança de clima. O calmo bairro universitário de Campinas ficava para trás, e cada vez mais os skycrapers paulistanos, as pichações e a fauna urbana (de mendigos, ambulantes, anônimos que se acotovelam no metrô) se agigantavam. O próprio prédio do jornal, apesar de ordinário, trazia imponência lúgubre, meio decadente, de cidade grande; as prensas paradas, mas expostas através do vidro na recepção indicavam que estávamos no lugar certo.

O arquivo, em si, não tinha qualquer indício da solenidade que se espera das bibliotecas, museus ou outros lugares dedicados às velharias. Parecia um escritório normal, e a normalidade estava impregnada até mesmo nos rituais diários das pessoas. Atender telefone, ler e-mail, MSN, ler jornal, matar tempo distante dos olhos de supervisores. Fomos alocados numa mesa, em um canto, e tratados pelos funcionários com a solenidade pouco sincera de quem está recebendo por um serviço: sim, eles cobram pelas pesquisas. Quinze reais para cada hora de consulta, mais o valor das cópias. Um pouco decepcionante, é verdade, mas justificável. Afinal, a estrutura técnica e de mão-de-obra para a manutenção do arquivo (que percebemos ser extremamente abrangente) deve consumir uma boa quantidade de recursos.

De qualquer maneira, a pesquisa correu bem. Imagino que tenha sido produtiva para o Rafael. De minha parte, a curiosidade correu de rédeas soltas. Os recortes e fotos das décadas de 1970 e 1980 transpiravam ácaros, mas também o espírito de seu tempo. Como eram os anúncios? Quais os tipos de notícias que eram destacadas? Quem eram as personalidades? Como escreviam e como pensavam as pessoas, naqueles tempos passados? Não há maneira de responder com precisão, mas todos aqueles registros escritos e visuais são, de algum modo, um tempo congelado, uma representação do passado, legada aos povos de hoje. Uma imagem do passado, conservada pelos interesses da Folha e dos curiosos visitantes-consumidores; nostalgia e consumo não estão assim tão distantes.

A experiência me relembrou dos pendores de historiador que sempre tive, dos domingos de fotos e recordações de minha avó paterna. Mas algo faltava. Do mesmo modo que um turista procura associar-se de alguma maneira com o local que visita, num movimento de superposição do meio ambiente e de seu ego, eu precisava de alguma coisa que me relembrasse da experiência; eu precisava de um troféu, de um souvenir de algum tipo. A minha solução para esta angústia pode não ser muito original, mas cumpriu sua função. Consegui (para meu deleite) uma cópia da capa da Folha de São Paulo, do mesmo dia em que eu vinha ao mundo, na distante e pacata Timbó. E descobri, maravilhado, que enquanto eu chorava pela primeira vez, milhares de pessoas liam a respeito dos desdobramentos do atentado ao Riocentro, se informavam sobre a morte do ativista irlandês Bobby Sands, e acompanhavam as especulações sobre a briga entre Marília Gabriela e Clodovil, nos bastidores da Rede Globo. E tudo isso por apenas dezesseis reais! Impressionante!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"After years of waiting..."

Em poucas palavras:

RADIOHEAD.

no Brasil.

e

eu

vou!




quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Enchente, Novembro 2008



Avenida Nereu Ramos - Timbó

(maiores informações sobre a enchente http://allesblau.net/)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

"Ice Age Coming, Ige Age Coming..."

Parece que estamos esperando o novo crash, parece que estamos prestes a repetir 1929. O senso de alarme espalha-se rapidamente: notícias sobre bolsas em queda, bancos falidos, retração e desemprego são repetidas exaustivamente. E os economistas vão adquirindo grandiosa visibilidade - não há notícias sobre essa crise que venha desacompanhada do laudo de um economista.

Ao contrário dos sociólogos que (infelizmente) ainda não conseguiram se estabelecer como membros de uma profissão dotada de grande poder simbólico para explicar a realidade, os economistas são os legítimos especialistas, arautos do apocalipse financeiro que se avizinha. A crise fala através dos economistas: quantos de nós são capazes de compreender o funcionamento de uma bolsa de valores? Quantos podem discorrer sobre a economia estadunidense? A Economia (falando em termos disciplinares) possui, sim, uma variedade enorme de explicações sobre a realidade. Ela é prolífica e polissêmica. Mas nestes momentos de crise parece ser dotada de uma unicidade e densidade inquebráveis. A explicação é exclusividade da Economia.

Mas pensando cá com meus botões, tenho a audácia de sugerir que a Economia é muitas vezes modesta. Em nome desta exclusividade na produção de significados, a Economia restringe seu alcance. Pensamos em termos de um mercado onipresente, pensamos em leis universais. A crise é um construto lógico criada a partir da realidade, é verdade. Mas ela é fruto da visão economicista e não reflete necessariamente a experiência econômica vivenciada diariamente pelas pessoas comuns. Por ser produzida com requintes de cientificidade, possui poder performativo, mas não pode ser concebida como a única realidade econômica possível. Existem áreas da vida econômica cotidiana que a Economia tradicional parece ser incapaz de alcançar. O gerenciamento de recursos domésticos, redes de relacionamento interpessoal ou o consumo de bens com valor estético me parecem ser bons exemplos, mas uma mente criativa pode imaginar muitas outras aplicações cotidianas para a Economia.

A evidência (e iminência) da crise nos dá a impressão de que a Economia está em todos os lugares. A racionalidade do homo economicus parece ser o modelo adotado por todos os seres humanos. Mas não existe uma racionalidade econômica única e universal! Existem infinitas "economias" que dependem de (e modificam) um ambiente social onde estão localizadas. Assim, creio que um pouco de treino em Sociologia e Antropologia não faria mal aos economistas. A noção de um modelo civilizatório único já me parece (quase) superada nestas disciplinas, enquanto os economistas ainda sonham e constroem modelos universais, impondo-os, de um modo ou outro, aos leigos.

O mais curioso é que esta crise aparentemente tão terrível só existe por conta da própria disciplina econômica e sua influência social. Os economistas parecem pais amargurados, discutindo sobre um filho problemático, mas sem nunca admitir que são co-responsáveis pelos problemas. A Economia (disciplina) de certa maneira (re)cria a economia (os mercados) e parece que nem se dá conta disso. Mas, o mundo não acaba quando as grandes economias fracassam. O mundo se modifica, em maior ou menor grau. Enquanto existirem seres humanos, existirão mercados, bens, capitais, enfim, "economias". Acho que a maioria dos economistas ainda não percebeu isso.

(e as bolsas de valores, como andam hoje?)

domingo, 16 de novembro de 2008

Fascínio e distanciamento; fascínio e experiência

Músicos existem por aí, aos montes. Os jovens adolescentes que querem aprender a tocar guitarra para poder montar uma banda, os artistas de rua que esperam uma esmola, os invisíveis operários da indústria musical, anônimos que compõe e gravam os jingles que ouvimos no rádio e televisão. Utilizando uma metáfora visual a qual todos estamos habituados, posso afirmar que eles são a base de uma pirâmide social. Eles são a "classe D" do showbizz.

No topo da pirâmide estão as estrelas da MTV, do rádio e dos programas de auditório. Muitos deles ascenderam socialmente, outros herdaram posições de familiares, outros foram fabricados e colocados no estrato superior por conta de interesses e esforço alheio. Não importa. Todos eles ocupam uma posição distinta: eles são exemplos e estão posicionados onde todos os outros querem chegar; eles têm capacidade de determinar, em maior ou menor grau, a dinâmica deste espaço social, indicando tendências a serem seguidas; eles causam fascínio, apesar de distantes.

Na semana anterior, eu tive a oportunidade de ir ao show do R.E.M., grupo americano que há muito me fascina pela qualidade e pela estética específica. E lá eu estava, reforçando a posição privilegiada daqueles estadunidenses, reforçando o sentido de esoterismo (no sentido de mistério, secretismo) daquelas pessoas. Pessoas normais alçadas à condição de semi-deuses vagando pela Terra? Sim, é verdade. E é assim que o showbizz e o mundo do pop-rock funcionam.

Dizem que a distância garante o encantamento. O que poderia acontecer depois de testemunhar aquelas pessoas ao vivo, sem os recursos e filtros da mídia, da divulgação cuidadosamente estudada? Eles manteriam seu fascínio? Poderiam eles corresponder à expectativa criada em torno de sua entidade coletiva, o R.E.M.? Ou tudo depende dos mecanismos da indústria musical?

Ainda que seja difícil dizer o quanto o fascínio ainda guiava minhas impressões, mas a experiência de vivenciar o R.E.M. ali, a poucos metros de distância, me fez pensar que talvez o showbizz não seja exatamente uma grande construção maquiavélica para criar ídolos e vender discos. O denuncismo conspiracionista anti-capitalista não serve exatamente para muita coisa e a força da apresentação, as boas execuções das músicas, a presença de Michael Stipe no palco não destruíram o fascínio. O encanto foi, na realidade, reforçado pela experiência. Se eles não fossem os famosos músicos, se eu os assistisse em qualquer festival medíocre, eu creio que ainda ficaria impressionado.

Por outro lado, é difícil negar o poder que o público concede quando canta em um uníssono de centenas de vozes. Ou quando aplaude vigorosamente. O êxtase do show de rock deve ser muito parecido, afinal, com o êxtase religioso. Explica-se pelo fascínio, mas também pela dimensão coletiva, de compartilhamento, de comunidade. Tentemos imaginar o polissemia de significados pessoais atribuídas ao hit "Losing My Religion", por exemplo. Ao cantar em voz alta, todos nós reforçarmos este significado pessoal e afirmamos que aquilo possui um sentido específico.

No final das contas, eles possuem condições de causar fascínio por conta de suas qualidades como músicos ou dependem do culto dos fãs? A resposta ideal deve incorporar estes dois elementos. Eles não são semi-deuses, mas também não são pessoas comuns. Eles são bons músicos, mas o show deve muito aos fãs. O evento se explica em si, e não por conta apenas de um suposto poder simbólico do rock star. E, analisando por esta ótica, o show foi uma ótima experiência. They really rocked out!

(um abraço para o Evanio, fã do R.E.M. e companheiro no show!)

domingo, 19 de outubro de 2008

Iconografia campineira...





E uma mensagem de otimismo...



"O mundo é uma merda, mas a trilha sonora é muito boa"!

Enquanto isso, na Sociedade do Espetáculo...

Andei meio cansado disso aqui. Ou talvez meio receoso. Ou apenas ocupado com outras coisas. Não sei ao certo, mas depois do incidente da mulher atropelada, as atualizações ficaram cada vez mais raras. Não sei se a inatividade passa logo ou se é definitiva. Não importa.

Afinal, a Sociedade do Espetáculo segue em frente. Depois da necrofilia do caso da menina Isabela, os sanguessugas acharam outros corpos humanos para parasitar. O seqüestrador passional, a jovem oprimida, a amiga corajosa e estúpida. Uma semana inteira de drama humano penetrando diretamente nos lares brasileiros por conta (principalmente) da imprensa televisiva. Depois de ter sido privado do controle que possuía sobre a jovem, o infame Lindemberg o retomou em grande estilo. Alimentado pela atenção da mídia (e ele chegou a conceder entrevistas, ao vivo), dominou as jovens cativas, mas também os policiais e a opinião pública. De uma situação de privação completa, de rejeição e sujeição (pobre, abandonado, anônimo) o rapaz transformou-se em estrela. Parabéns, Rede Globo! Parabéns, Record!

O que poderia ser um infeliz caso de crime passional, tornou-se uma celeuma vouyerística. Pela tela da TV, alimentamos a fera e, como não poderia deixar de ser, ela se tornou um monstro. Além de torná-lo o centro da atenção, o dotamos da "tele-visão" - a capacidade de enxergar à distância. Ele sempre estava um passo a frente dos negociadores, porque tinha ao seu lado a televisão. Assistia ao próprio espetáculo, em tempo real. E sempre sabia o que aconteceria no próximo instante.

Agora, é claro que serão execrados o pobre coitado e os policiais encarregados da operação (dotados, sim, do monopólio da violência, mas mal remunerados e mal instruídos). Tudo para que o espetáculo se estenda por mais alguns dias, onde acompanharemos o futuro do rapaz, da carcaça sem vida da vítima, da amiga desfigurada. Não posso ser contra a liberdade de expressão, mas algumas vezes começo a acreditar que em muitos casos ela é subvertida: torna-se a liberdade de estar errado e de agir errado.

Se eu fosse jornalista, estaria envergonhado.

sábado, 4 de outubro de 2008

E a moça atropelada não morreu...

Descobri ontem que a pessoa que vi ser atropelada não morreu. Fui até o local de trabalho dela, aqui perto de casa e perguntei sobre a moça atropelada (afinal, eu não sabia e ainda não sei o nome dela). Ela esteve em coma, esteve na UTI e ainda está internada. Mas está viva. Menos mal.

sábado, 27 de setembro de 2008

Sobre a pirataria...

File sharing isn't killing music; music's dying of natural causes.

Um Ponto Oito

"Ajoelhei-me ao seu lado
Me disse o atropelado:
Fiquei com a pior parte
De tudo o que é chamado
Civilização"

Um Ponto Oito - Pato Fu

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

"Você deve ser a própria mudança que deseja ver no mundo" (Gandhi)

Normalmente sou contra lições de moral, daquelas que caem para o lado da auto-ajuda. Certo e errado são conceitos extremamente flexíveis e considero que ninguém sério e ponderado pode querer, por vontade própria, ser um modelo de comportamento. O exercício da prescrição moral envolve um ego expansivo e uma percepção falha a respeito das próprias ações. Prefiro não ser assim.

No entanto, diariamente os axiomas morais nos atingem como um soco no estômago: "os políticos são ladrões descarados", "fulano deveria ser punido severamente", "ele é um sem vergonha". Fica no ar a sensação de que nosso país é corrompido e corroído diariamente por uma escória parasita. Existem ainda alguns que apostam na Lex Talionis - olho por olho, dente por dente. Se o acusado for um pobre coitado, tanto melhor: cortem-lhe as mãos, ceguem-no. A pena de morte mora ali ao lado.

Tenho a vívida sensação de que algumas esferas de nossa sociedade empregam este discurso com maior freqüência e com mais intensidade. A classe média brada por uma justiça de guilhotina; os ricos parecem preparados para aprovar a punição na arena de gladiadores. O pobre, que pouco tem acesso à justiça, pode até murmurar uma ou outro absurdo, mas sabe que não é ouvido. Mas jornais e telejornais do tipo "espreme-sai-sangue" são feitos pela classe média e para a classe média. Os ricos, é claro, assistem TV à cabo e não perdem tempo com o populacho.

É uma hipocrisia dolorosa. Estou aqui, um simples menino do interior, vivendo no centro econômico e cultural da nação - o Sudeste maravilha, a sagrada UNICAMP. Formam-se aqui as futuras gerações, os futuros governantes. Os futuros formadores de opinião, nossos futuros médicos, dentistas, filósofos, sociólogos e artistas são produzidos aqui. A suposta inteligentzia. E ainda assim a hipocrisia é reinante, generalizada. Formam-se adeptos da lei de talião, formam-se os apresentadores e jornalistas hematófagos.

E hoje eu testemunhei a hipocrisia.

Eu voltava da UNICAMP, de carona com um amigo. Minhas preocupações eram simples: chegar em casa, dormir, estudar, comer. Em determinado momento, nossa conversa foi interrompida por uma imprudência no trânsito, logo à nossa frente, ainda dentro do campus. Dois veículos transitavam muito próximos e uma freada brusca quase causou um acidente. Observamos de longe e meu amigo comentou o incidente. Confesso que, um tanto egoísta, não deixei aquilo sequer se tornar uma breve preocupação em minha mente. Não seria a ausência tática de curiosidade e preocupação que nos mantém sãos em um mundo tão confuso?

Alguns poucos minutos depois, porém, a situação agravou-se. A persistência com a imprudência fizeram com que a motorista que vinha na traseira realizasse uma manobra de ultrapassagem, atropelando uma pessoa no processo. Repito: atropelando uma pessoa, arremessando-a para o alto, fazendo com que ela pousasse bruscamente no chão. Imediatamente, meu amigo parou o veículo e descemos. Chamamos a segurança do campus. Assistimos tudo (as chamadas para o SAMU, a chegada da ambulância, o choro e dor da atropelada, o choro e preocupação da motorista) em alta velocidade, pois aquilo que chamam de adrenalina provavelmente estava agindo.

Não vou (e não quero) transcrever a cena inteira, mas não irei me abster de dois detalhes muito importantes. Em primeiro lugar, a vítima do acidente. Parecia ser uma mulher simples, uma trabalhadora, pobre, sem instrução. Sua bolsa barata e seu casaco feio ali, ao seu lado. E ela? Deitada, gemendo e balbuciando, sangrando e babando, um hematoma enorme na testa. Atropelada por uma universitária, com carro importado e cara de menina - uma dolorosa e distorcida representação da realidade brasileira, onde os ricos fodem os pobres, sem dó nem piedade.

Ela recebeu, é claro, socorro médico. A cena, em si, já é chocante. Mas a revolta foi maior. Ao redor da patricinha (e neste ponto ela já não merecia mais o benefício da dúvida ou a amenização de meus preconceitos) aglomeravam-se meninos e meninas bonitos, perfumados, penteados, ingênuos, em forma, com boas roupas. Alguns estavam até sorridentes. Sor-ri-den-tes. A única que chorou, de verdade, foi a motorista. Os outros estavam ali, meio que como se a coisa toda fosse muito pitoresca, mas inofensiva. Como se quem tivesse sido atropelado fosse um cachorrinho de madame.

Percebemos, eu e meu amigo, que o outro carro desaparecera. Percebemos que algo iria acontecer. Havia um cheiro estranho no ar. Assim que a polícia chegasse, os homens de uniforme, o carro com sirene, pistolas, intimidação e a caneta, para registrar o boletim de ocorrência, tudo seria amenizado, aliviado, minimizado. Decidimos permanecer por ali. Algo nos dizia para ficar por ali.

Foi o que aconteceu. Eu estava muito próximo, quando ouvi o policial colhendo o relato da motorista. E eu ouvi claramente quando ela falou que não sabia quem era o outro motorista. Que havia sido "fechada". Que era inocente. Senti-me confuso, irritado, indignado. Senti nojo de fazer parte da Humanidade. Milhares de anos para construirmos uma civilidade tão vã, tão frágil, tão etérea? De que valem as prescrições morais? Onde estão as noções de certo e errado vomitadas diariamente? As regras de civilidade são, afinal, apenas um discurso vazio?

Por fim, acho que fizemos a coisa certa. Enquanto a motorista conversava com sua apavorada mãe, recém-chegada na cena do acidente, nos aproximamos e perguntamos, com a voz meio tímida, entre os lábios, onde estava o outro motorista. Ela confessou, talvez por conta do choque, que não queria envolver o seu amigo em problemas. Nossa resposta veio rápida: que amigo é este que vai te deixar com toda a responsabilidade pelo incidente? Que tipo de caráter tem uma pessoa que foge covardemente, sem sequer dissimular alguma preocupação? Que amizade é essa que vale uma mentira deste calibre? Fomos rudes e intrometidos, mas fizemos o que consideramos certo e praticamente imploramos para que ela relatasse a verdade.

Não me considero um exemplo de cidadão imaculado. Durante minha vida já cometi uma boa cota de erros, infrações e deslizes. Não quero ser o Che, nem Gandhi, nem Luther King. Mas não conseguiria dormir sereno sem jogar aquela verdade na cara da menina ingênua. Diabos, afinal ela quase havia matado alguém, por conta de uma infantilidade, uma brincadeira, uma frivolidade. Sua mãe, percebendo a dimensão do problema, nos apoiou. Não posso imaginar a sua decepção, mas ela tomou uma atitude madura e consciente. O boletim de ocorrência foi, afinal, corrigido.

Qual será o resultado final disso? Não sei. Pode ser que a punição seja leve. Pode ser não ocorra punição alguma. Mas, apesar de chegar em casa arrasado, tive uma certa satisfação lânguida de poder jogar a bosta de volta para seus produtores, de dar um choque de realidade em alguém. Me vinguei do Datena e de todos os vampiros da mídia. Me vinguei do editor do Jornal de Santa Catarina. Desforrei-me dos colegas ricos que zombavam de mim, pelas costas e pela frente, na escola e no clube. Me vinguei de todo playboy que desperdiça o dinheiro público na Universidade. Eles têm tudo: os carros, os bons empregos, as mulheres plásticas da revista e da coluna social, mas eles não podem comprar a dignidade.

Não me sinto muito bem, mas tenho a impressão que segui o conselho do Gandhi: "você deve ser a própria mudança que deseja ver no mundo". Bem, meu velho e finado mártir indiano, saiba que eu tentei.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Brutality

Whatever happened to the fear of god?
Whatever happened to church on sunday?
Whatever happened to the velvet glove
And the iron fist?
Whatever happened to the social season?
Whatever happened to the debutants?
Whatever happened to the South of France?

Good old fashioned brutality
Everything in it's place
Good old fashioned barbarity
Leave the room in disgrace

Whatever happened to drinking and driving
And doing the decent thing?
Hiding out on the continent
Getting over a nervous breakdown
Close the ranks and remove all traces
Say anything to stay out of jail
What it really boils down to:
It always wins, it never fails

Good old fashioned brutality
Everything in it's place
Good old fashioned barbarity
Leave the room in disgrace

Driving back from a late night party
Took a corner much too fast
Head-on collision with the 21st century
Whatever happened to brutality?

Brutality - Black Box Recorder

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Sobre o ano eleitoral (que ano eleitoral? e as Olimpíadas?)

Passado o espetáculo olímpico, as eleições municipais (e até mesmo as eleições norte-americanas) vão tomando espaço nas discussões diárias da população brasileira. Tenho a impressão, porém, de que a cobertura jornalística olímpica foi mais intensiva. A legislação eleitoral atual pode contribuir para isso: redes de TV e rádio, por serem concessões públicas, estão sujeitas a alguns constrangimentos ao veicularem informações sobre as eleições.

Por outro lado, parece que é evidente o desinteresse e a desconfiança do brasileiro médio em relação aos políticos e suas atividades. Daí o fato das eleições serem muito mais uma irritante obrigação, quando poderiam ser vistas como um direito fundamental e uma oportunidade importante. O discurso do "político é tudo igual" impera e a crença no amadurecimento político da democracia brasileira vai sendo assim prejudicado. É claro que a classe política é merecedora da desconfiança que temos com ela. Estudos apontam para uma situação de corrupção endêmica no país e estamos ficando meio anestesiados, meio indiferentes, com os sucessivos escândalos políticos que ganham os noticiários. Porém, para que (ou para quem?) serve apatia política? Vale a pena investirmos nossa inteligência com generalizações sobre a política e deixar que ela se torne algo endógeno, intrinsicamente para a própria classe política? Certamente, virar as costas para os políticos não os tornará menos corruptos.

Eis então a primeira generalização que deve ser analisada: "a corrupção no Brasil apenas cresce e se espalha como um câncer em estado de metástase". A hipótese não é facilmente refutável, é verdade, mas as pessoas analisam a democracia brasileira de maneira muito superficial. Vivemos em uma democracia recente - a Nova República tem, de fato, pouco mais de vinte anos - e nossa tradição política após o Império é marcada por grandes períodos sob os auspícios de ditaduras (primeiro Vargas e depois os milicos). As crises são sempre sinais de mudanças, mas nem sempre são negativas. A crise da corrupção no Brasil (começando talvez com Collor, para chegar em mensalão) pode significar, ao invés de decadência, um crescente amadurecimento político. A corrupção na ditadura obviamente existia, mas estava oculta pela força bruta e repressão. Talvez somente agora estejamos aprendendo a lidar com as inúmeras variáveis em jogo na política, e justamente a proliferação e a repercussão de escândalos políticos sejam o resultado desta crise. É a esfera política da sociedade reagindo. Neste sentido, a apatia encobre todo a experiência pedagógica destes acontecimentos. Os culpados devem ser punidos e as leis devem melhorar, mas para isso o brasileiro deve começar a seu preocupar com o mundo público, com a pólis.

A segunda generalização mais comum pode ser resumida nos seguintes termos: "os políticos são uns vagabundos que não trabalham". Novamente, a própria classe política nos dá motivos suficientes para considerar a hipótese como verdadeira, mas quantos de nós acompanham a vida diária de um político? Quantos dos eleitores sabem como é, de fato, a rotina de seu senador, deputado ou prefeito? Como um exercício de raciocínio sociológico, fico me perguntando a quantidade de trabalho (em um sentido amplo) necessária para criar uma carreira política? Quais os investimentos materiais e emocionais ao longo de uma carreira de vinte anos de carreira política? É certo que maioria dos políticos jamais "pegou no pesado" dentro de uma fábrica, mas em um contexto de uma relativa divisão social do trabalho, eles fazem o esforço que muitos de nós alegremente negligenciou - o combate discursivo e a atividade de tempo integral da exposição pública. Mesmo se pensarmos nas confabulações ilícitas, poderemos concluir que há esforço empregado ali. Sim, isto tudo também é trabalho. Um tipo diferente de trabalho, muitas vezes muito bem remunerado, mas ainda assim um trabalho. Se me perguntarem se os políticos ganham demais, responderei em alto e bom tom: sim! Mas acho que é um tanto apressado dizer que eles não trabalham. Novamente, o fator determinante aqui é a participação política dos eleitores, dos cidadãos, atuando como o controle.

Eu fico imaginando se existe alguma estatística indicando a quantidade de horas que um telespectador médio brasileiro empregou diante da televisão e com a internet no último mês, se informando sobre os Jogos Olímpicos. Digamos, para fins de exposição de meus argumentos, que tenha sido, em média, cerca de míseros cinco minutos diários. Será que a mesma pessoa estaria disposta de investir a mesma quantidade de tempo assistindo o horário eleitoral gratuito ou a TV Senado? Em última instância, eu acredito que uma pessoa deve ter a liberdade de empregar seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, mas tenho uma forte intuição de que o povo tem o governo que merece; enquanto a Olimpíada for mais importante que a política teremos sempre mais do mesmo - vamos culpar os políticos, porque assim é mais fácil. É verdade que a maior parte dos brasileiros não tem condições para acompanhar o processo político em sua plenitude. As pessoas devem trabalhar, cuidar da casa, descansar. Nem todos têm a educação política necessária para entender o jargão e as nuances dos processos políticos. Isto é compreensível. Mas ainda bem que para esta atividade nós temos... OS POLÍTICOS!

Não é incrível?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

80's

Certamente, muitos já assistiram o filme chamado Forrest Gump. Além do belo enredo e da atuação premiada de Tom Hanks, a película destacou-se por conta dos belos efeitos que colocavam o protagonista lado a lado com celebridades dos anos 70 e anos 80. Não pretendo menosprezar nem o filme (e nem o livro) estudanidense, mas a idéia não era tão inédita quanto muitos podem pensar.

Lá pelo final dos anos 80 eu era ainda um garotinho, não muito acostumado com o fato de dormir tarde e ainda não muito apto com as sutilezas do humor e da política. Mas me lembrava (e agora pude relembrar - viva o Youtube!) da abertura do antigo programa do Jô Soares, chamado Viva o Gordo. Transmitido pela rede Globo, a abertura consistia de montagens do comediante interagindo com figuras políticas da época, de modo muito parecido com o Forrest.

Não sei quantos vão se lembrar das personalidades, mas estavam ali Sarney, Reagan, Tatcher e até mesmo o Gorbachev (hãããã... quem?). Sim, eu vivi durante o tempo em que a União Soviética ainda existia e o Jô Soares ainda não era um entrevistador megalomaníaco. História Antiga, hein?

Para os curiosos...




quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A Vida Como Ela É

Um dos objetivos iniciais deste blog era transmitir os detalhes e nuances do meu cotidiano "longe de casa". Muitas vezes, empreguei este expediente para preencher o espaço aqui. Em outras, acabei divagando sobre filosofias e sociologias - um caminho nem sempre muito interessante para todos os leitores.

Para controlar o narcisimo implícito da atividade de blogueiro, acho que vez ou outra fico me patrulhando para mudar o tom do discurso, para torná-lo menos hermético e menos pedante. Porém, escrever em um estilo despretencioso e espirituoso é um tanto difícil. E parece que os textos desse gênero ficam muito melhores quando são nascidos de raros momentos em que se aliam as contingências da vida e estados de humor específicos.

Hoje, portanto, apresento um texto de autoria alheia. Rafael Bennertz, meu colega de moradia e comparsa acadêmico criou, através de um e-mail queixoso a todos os colegas de moradia, um relato despretencioso (e um tanto cômico) sobre as últimas novidades da República da Rua Desembargador Antão de Moraes, 999. Não foi pensado como um manifesto ou um ensaio, mas é daí que vem a riqueza do relato.

Então, sem mais demora: Ratos na Casa, um relato direto e contundente sobre a "miséria" da vida estudantil.

Galera,

Acho que só o Matheus não ficou sabendo do acontecido de ontem.

Há ratos pela casa, tivemos evidência disto ontem quanto um representante deles veio requerer uso de um espaço junto ao quarto do Jundiaí e também na sala de televisão, sala do telefone.

O Luiz que é químico pode contar melhor esta história, mas uma das explicações para o surgimento da vida está relacionado com a disposição de roupas velhas, papeis velhos, trapos e restos de comida e o surgimento de ratos e baratas. Acreditava-se que eles surgiam destes elementos. Acontece que muitos anos depois aprendemos, por meio da observação empírica e do controle das amostras que o aquilo que ocorre é o fato de que os ratos, baratas, pulgas, aranhas, etc, se alojam junto destes entulhos e restos de comida. Como todos da casa sabem, estes animais transitem doenças que podem afetar nós, os seres humanos.

Por algum motivo, já há algum tempo, temos ouvido barulhos no forro da casa. Eu imaginava que fossem gabás, agora surge a hipótese de serem ratos, ou ratazanas pelo barulho que fazem. Também lembro, como o Luiz comentou ontem: "e se essas doenças (diarréia principalmente) que alguns da casa vem sofrendo estão diretamente relacionadas com os nosso inquilinos?"

Mesmo tendo encontrado, e expulsado, aquel rato de casa na noite de ontem ainda permanece uma mentalidade de descuido na casa.
Para a surpresa geral da república hoje quando acordo e vou preparar o café matinal encontro louça suja com restos de comida na pia, plásticos onde se armazena hambúrgers abertos e jogados ao lado do fogão e uma bela caixa de papelão úmida do lado do lixeiro. AO LADO, ESTAVA AO LADO DO LIXEIRO. POR QUE O CIDADÃO NÃO COLOCOU DENTRO DO LIXEIRO???????

Mesmo sabendo que há a possibilidade de haver ratos no teto da casa as pessoas continuam agindo irresponsávelmente. PORRA, EU NÂO QUERO COME ONDE RATOS E BARATAS FIZERAM A FESTA!!!!

Será que é tão complicado cada um fazer a sua parte. Lavar a sua louça. Incontáveis vezes que eu (outros tbm fazem, mas deixo para que eles se manifestem) tenho que lavar a louça de alguns que não colaboram porque se não lavar não tem louça, panela, talheres, copos, xícaras, para usar.

SE MANCOL GALERA...

Se alguém tiver problema com o que eu escrevi que se manifeste!

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E os erros de português dão o tom exato da urgência e indignação. Se estivesse muito mais elaborado, não ficaria tão espontâneo. Aos eventuais leitores que estiverem preocupados com as questões acerca de nossa saúde e qualidade sanitária, eu recomendo calma. Não se preocupem: pretendo lavar a louça sempre antes de usar!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Coisas que ainda não entendo - Parte I

O calendário acadêmico da UNICAMP: as datas indicadas na agenda que eles distribuem nunca corresponde com as datas reais como, por exemplo, a data para o início das aulas para os alunos de pós-graduação. Esta foi a segunda vez que vim parar em Campinas antes do início das aulas, simplesmente por acreditar no material impresso que eles me entregaram no começo do ano!

O sistema de matrículas da UNICAMP: eu me refiro ao sistema computacional, via internet. É óbvio que fico muito aliviado de não precisar desembolsar um centavo sequer para estudar, mas fico um pouco irritado com o sistema de matrículas. É vergonhasamente ultrapassado. Dá para acreditar que eu tenho que DIGITAR o código das disciplinas que eu pretendo cursar? A Universidade deve ter um dos melhores centros de Ciência da Computação do Brasil e não são capazes de fazer um sistema eu que eu possa escolher as disciplinas através de um clique do mouse?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Porcelana chinesa?

O espetáculo olímpico, eu confesso, dificilmente consegue atrair a minha atenção por mais do que alguns poucos minutos. Na verdade, o bombardeio jornalístico constante, a euforia ufanista desproporcional e a quantidade de informação desnecessária e incompleta chega a ser (na minha modesta opinião) nauseante. Afinal, me parece um tanto estranho o torpor coletivo causado pelo evento - o espetáculo do esforço financeiro e logístico das nações do mundo, com seus super-homens talhados à suor, dinheiro e tecnologia. Talvez o fascínio se esvaia na fumaça da euforia alheia, mas não estou bem certo.

Por outro lado, ignorar o evento olímpico não parece muito inteligente e também não parece muito justo: there's more to the picture than meets the eye. Sem muito esforço, por exemplo, podemos relacionar a história das Olimpíadas com a Política Mundial. A Guerra Fria está representada - indiretamente - na competição entre os EUA e a União Soviética pela supremacia olímpica. O capitalismo e o socialismo, representado por homens e mulheres, se confrontavam nos campos de batalha cuidadosamente mediados do esporte, como em uma batalha antiga, como um duelo de cavalheiros vitorianos. E os resultados destas civilizadas disputas certamente eram transformados em recursos retóricos para exaltar uma ou outra nação ou ideologia. Hitler certamente tentou utilizar a Olimpíada de Berlim, em 1936, como um estandarte para a supremacia ariana e até mesmo um boicote já era ensaiado naqueles tempos. Como o boicote é aventado agora, em relação à China.

O gigante chinês cresce diariamente, diante dos olhos incrédulos do Ocidente. Falar da China sem utilizar palavras como censura, trabalho precário, Tibete ou imperialismo é quase impossível. O boicote, é verdade, assume agora outras formas. Nos tempos de transmissão televisiva em tempo real, internet e mídia participativa, o boicote é mais do que nunca, uma prerrogativa dos espectadores. Por um lado, pelo fato de que os atletas são cada vez menos influenciados por ideologias - não existem mais ginastas comunistas e os atletas cubanos andam fugindo sempre que possível. Mas além disso, é preciso considerar o custo de um boicote na carreira de um esportista, em tempos de alta perfomance e competição: abandonar uma Olimpíada pode significar ostracismo e aposentadoria precoces. E as manifestações em praças ou nos estádios serão, com certeza, acompanhadas de perto pelas autoridades chinesas. O boicote às Olimpíadas de Pequim, deste modo, dissemina-se predominantemente na noosfera - no mundo das idéias e da informação. Internet, mídia escrita e televisiva.

Para mim, aderir ou não ao boicote não é exatamente uma questão relevante. Provavelmente eu realizaria o meu próprio boicote através do desinteresse, excetuando-se talvez uma ou outra espiada em nome da curiosidade e do interesse pelos aspectos técnicos de alguns esportes. Acompanhar o evento de perto implica em dispender muito tempo e esforço que considero melhor empregado com outras "bobagens". Eis o meu boicote: o boicote do pijama, da preguiça.

Pensando em termos práticos, atualmente um boicote à China é - com o perdão do trocadilho - uma tarefa olímpica. Basta lembrar que boa parte de nossos eletrônicos, nossos acessórios de vestimenta ou utensílios domésticos são fabricados na China. Os motivos do boicote podem ser nobres, mas por qual motivo eles deveriam se restringir aos jogos olímpicos? A China certamente é um governo autoritário; a China certamente possui condições de trabalho e de qualidade de vida lamentáveis; a China provavelmente exerceu um tipo de imperialismo com a invasão do Tibete. Mas, no final das contas, deixar de assistir os jogos vai mudar o mundo? As redes de televisão do mundo já pagaram pelos direitos de transmissão dos jogos, os jornalistas já estão perambulando por lá, o McDonald's vai vender seu lanchinho temático com o mascote dos jogos, o mundo gira e amanhã (eu espero) o Sol vai nascer novamente. Não se trata de imobilismo simples e direto, mas de uma forte intuição indicando que o boicote aos jogos olímpicos chineses é tão espetacular quanto o próprio evento. Tem muito mais de pirotecnia social do que reflexão. Neste sentido, partir da boa intenção para a ignorância é muito fácil e rápido.

É óbvio que as liberdades individuais devem prevalecer, seja para os que querem boicotar ou para aqueles que querem desfrutar os jogos olímpicos. No entanto, insisto que o princípio dos boicotes é, em si, impraticável. De boicote em boicote inviabilizaríamos o mundo, tal qual o conhecemos. Strauss compôs o Hino Olímpico de 1936, a pedido do Reich, e ainda assim suas obras são ouvidas e admiradas por suas qualidades intrínsecas, ao invés de serem menosprezadas pelas falhas de caráter de seu criador. Eu prefiro acreditar que a Humanidade ganhou ao não boicotar Strauss, mas sempre há margem para discussão.

E enquanto isso, a Olimpíada segue. Com boicote ou sem boicote. Ainda bem que o Sol vai nascer amanhã...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Em breve...

...alguma coisa nova por aqui!

As "férias" (entre aspas mesmo, pois me disseram que bolsista não tem férias) acabaram. Foi tudo muito bem, tudo muito bom, mas agora voltei para Campinas e para a rotina de estudante. E, com isso, também pretendo voltar com o hábito um tanto diletante de escrever aqui.

Até breve...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Para não dizer que não falei das flores...

Na última vez que escrevi, meu texto estava - explicitamente ou implicitamente - condicionado por uma crença pessoal. De fato, acho que foi até um pouco de orgulho: eu não consigo me sentir bem quando percebo que jornalismo de má qualidade está sendo confundido com Sociologia. É um pouco injusto que o esforço de estudantes e profissionais das Ciências Humanas sejam invalidados assim tão facilmente. É claro que um Mainardi tem uma trajetória de vida e que não chegou onde está sem esforço, mas o esforço dos cientistas sociais é muito mais específico e deveria ser um argumento a favor da sua legitimidade nas discussões sobre o mundo social.

Se eu arriscar e começar a construir hipóteses a respeito em um texto de 300 palavras, vou estar emulando o efeito Mainardi; meu argumento baseia-se justamente na idéia contrária. Então, em nome do bom senso e da coerência, vou me limitar a um argumento apenas, porque ele justamente diz respeito aos cientistas sociais, sejam eles sociólogos, economistas, historiadores e assemelhados.

Nós, cientistas sociais, sofremos de um grave defeito. A hubris (do grego antigo ὕβρις, insolência) é um traço quase onipresente em nosso discurso, seja na maneira como definimos os "problemas sociais", seja quando enveredamos o caminho das proposições, das fórmulas para criar um mundo melhor. Muitas e muitas vezes, nossa "classe" leva o argumento da legitimidade concedida pelo argumento científico até um extremo perigoso. Sim, devemos ser considerados como emissores qualificados sobre hipóteses e análises sobre o mundo social, mas tenho certeza quase absoluta que não devemos tentar instituir uma ditadura do pensamento social.

No melhor estilo parabólico de Jesus Cristo, vou tentar exemplificar o argumento (e a moral por detrás dele) da seguinte maneira: Karl e Pierre são dois sociólogos de tradições ligeiramente diferentes. Enquanto Karl é um pensador crítico ao sistema capitalista e suas maldades, Pierre é menos audacioso e mais ponderado; para alguns poderia beirar a inércia. Karl acredita que as intenções das pessoas no mundo capitalista são guiadas por dois tipos de forças (por sinal, invisíveis) - a ganância por lucro da classe capitalista e a onipresente alienação, que serve para distanciar o trabalhador do produto de seu esforço, mas também o torna uma espécie de máquina-viva, sem muito controle sobre seus gostos, preferências ou intenções. A cultura, os costumes e as interações entre as pessoas - segundo Karl - estão condicionadas severamente pela maneira como a sociedade organiza-se economicamente ou para a produção de bens e sua reprodução. A classe burguesa explora o trabalho alheio e os proletários, por conseqüência, são explorados e dominados. Eles podem não saber disso, mas Karl está muito certo de que é assim que funciona o mundo.

Pierre, por outro lado, prefere não assumir conclusões prévias. Existem por aí regras e estruturas que condicionam a vida social, mas Pierre prefere uma postura mais "frouxa". O componente da exploração capitalista pode estar presente nos construtos lógicos de Pierre, mas dificilmente terão um papel central. Ou melhor, dificilmente serão a causa única para determinada conformação social. Para ele, as pessoas não são sempre ingênuos marionetes nas mãos de uma força maior. De fato, o conceito de "ator social" não vem do nada; as pessoas atuam, elas possuem uma certa capacidade e autonomia para escolher os rumos de sua vida e sua opinião sobre o que é a sociedade. Sobretudo, eles estão por aí para serem ouvidos, para manifestarem suas opiniões.

Convém salientar que nosso dois personagens são imbuídos das melhores intenções.

Um belo dia, Karl e Pierre conversavam em um bar sobre, digamos, uma partida de futebol, transmitida pela televisão. Obviamente, para Karl aquilo era uma estupidez. A partir do princípio lógico do evento - 22 homens correndo atrás de uma bola de couro - e continuando pelo absurdo da mobilização de recursos e de tempo precioso para a apreciação daquilo, Karl estava certo de que aquilo é uma burrice completa. Além dos 22 esportistas que estão ali tornando o espetáculo possível, outros milhões empenham-se idiotamente em acompanhar inertes e passivos o desenrolar da competição. Poderiam estar ocupados com elucubrações sobre a miséria de sua vida, a exploração, a injustiça. Poderiam estar ocupando aqueles 90 minutos para ler um belo livro. Mas não! Estão ali, alienados e domesticados.

Pierre argumenta que Karl está enxergando as coisas por apenas um ângulo. Sim, eles podem estar alienados, dóceis e domesticados. Pierre não nega esta possibilidade. Mas, para ele, a riqueza do mundo social está justamente na infinidade de possibilidades. A cultura e os costumes se formam e se recriam através de muitos elementos e argumentar que a sociedade se mantém, se move e se define por apenas um fenômeno é de uma tacanhice preocupante. O próprio entendimento e argumentação que estes telespectadores supostamente inertes realizam acerca do futebol é, na verdade, uma maneira rica de entender as coisas. Ao ouvir, por exemplo, duas pessoas conversando sobre futebol, sobre a estrutura social que o mantêm, os costumes que ele cria, os laços de rivalidade e afetividade que ele proporciona, os sociólogos poderiam construir uma imagem mais clara sobre a sociedade. Aquilo que convencionou-se chamar de "futebol" contém, em si, um mundo rico de associações entre pessoas, que podem ou não estar condicionados pela lógica capitalista, mas que não devem ser resumidos a isto.

A conversa entre os dois sociólogos continua e vai se inflamando. Karl sendo absoluto demais e Pierre enveredando por um subjetivismo igualmente arriscado. A discussão poderia durar horas. No final, nenhum dos contendedores convenceu-se do argumento alheio. Ambos apóiam-se em argumentos provenientes da lógica científica: de um lado, a prevalência da lógica; de outro, a eminência da experiência empírica. Não há desempate.

Para piorar, o orgulho vai consumir os dois sociólogos. Assim que deixaram o bar (em parte pelo início de uma partida de futebol que seria exibida na televisão do estabelecimento) já iam elaborando mentalmente os argumentos para um artigo que escreveriam criticando a opinião alheia. Pierre, por conta do relativismo inerente à sua formação, desistiria logo. Na sua opinião, era melhor entender a opinião de Karl do que tentar convencê-lo. Mas Karl... bem, assim que chegou em casa e sentou-se em seu computador, Karl foi assombrado pelo espírito de Mainardi e dedicou algumas horas do seu tempo (o que um aficionado por futebol pensaria ser um tanto estúpido) para escrever um artigo tão maniqueísta e absoluto quanto aqueles da revistas Veja. A única diferença é que, como em um espelho invertido, ele criticaria a essência daquilo que está contido na publicação burguesa. Muda o conteúdo, mas permanece a forma. Karl e Mainardi não duvidam ou titubeiam um segundo sequer. Eles sabem como o mundo é e como ele deve ser. Karl, porém, usa uma pitadinha de discurso científico para tornar o seu texto menos questionável.

E assim, como o futebol que é imposto por entidades ou forças exteriores à classe operária, lá vai Karl: o futebol é uma imbecilidade e um artigo científico é uma pérola negligenciada. Quisera Karl que suas idéias fossem tão admiradas quanto o esporte bretão. Pouco importa se as pessoas sequer pediram para serem resgatadas do obscurantismo. Karl está certo de que é um misto de herói e intelectual incompreendido. Quatro anos de graduação, um mestrado e um doutorado no exterior garantem que Karl está certo.

Fim.

Acho que a parábola não precisa de explicação, mas em todo caso aí vai um resumo: não seriam alguns dos sociólogos (ou economistas, ou historiadores), amparados pelo discurso científico, tão arrogantes quando o periodista da revista burguesa? O treinamento científico garante realmente uma visão privilegiada da realidade ou sofremos de uma crise de inferioridade aguda, transformada em uma tendência para a fanfarronice? Onde termina nossa importância como especialistas e começa o lado negro (!) da hubris?

Atingi meu objetivo que foi evitar a impressão de um corporativismo extremo, possivelmente associada ao texto anterior. Acho que no final das contas sou como Pierre; não consigo pensar em termos absolutos. Na minha opinião, o mundo social não se parece com uma figura geométrica simples, com três, quadro ou oito lados. O mundo é como um caleidoscópio.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Sticking feathers up your butt does not make you a chicken.

O tempo disponível para este espaço anda um pouco diminuído. Final de semestre é sempre assim, seja na graduação, seja no mestrado. Uma grande quantidade de trabalhos e provas alocados estupidamente em um período de tempo diminuído. Porém, creio que o direito de reclamar, criticar e lamentar já não devem ser considerados com muito fervor. Ao decidir pela vida acadêmica, assinei um contrato com o invisível Mefistófeles institucional. Meu bom senso me impede de reclamar: este parágrafo é mais um aviso do que um libelo contra os tempos modernos.

Por outro lado, acho que ainda tenho o direito e as possibilidades de emitir uma crítica aqui, um lamento ali, uma reclamação acolá. Afinal, todo mundo que se julga articulado, politizado e inteligente sempre tem algo a dizer. Ou melhor: todo mundo que se julga articulado, politizado e inteligente tem sempre alguma coisa a dizer sobre determinados assuntos, uma gama limitada de assuntos. Deve haver um bom motivo para que dificilmente as pessoas discutam Física Quântica em um boteco. O discurso do físico e o saber-fazer inerente ao seu ofício demandam anos de preparação, estudo e atividades práticas. Trata-se de um discurso relativamente hermético - de iniciados para iniciados apenas. As Ciências Duras são assim: ninguém pode manipular, discutir, subverter ou criticar a Física a não ser a partir de seu interior. Ao grande contingente populacional exógeno à atividade científica dura resta pouco, muito pouco. Somos espectadores.

Se a compreensão do mundo natural é algo para iniciados, é difícil e normalmente excludente, os cientistas naturais passam a ser considerados como porta-vozes legítimos da natureza. Seu discurso tem um alto poder de verdade e para questioná-los é necessário um empreendimento hercúleo. Reproduzir experimentos, revisar bibliografias e reconstruir premissas é empreitada para poucos - muitas vezes é obra para uma vida inteira.

As Ciências Humanas, porém, sofrem do mal inverso. Os fenômenos do mundo social, ainda que tão intangíveis quanto elétrons, estão muito mais sujeitos à intervenção de "leigos". A atividade política confunde-se com a Ciência Política. A prática e a teoria sobrepõe-se indefinidamente. As Ciências Humanas caracterizam-se (e se afirmaram) através do argumento da subjetividade. No mundo social, tudo é aberto e sujeito à interpretações diversas. O discurso é muito mais potente do que a verificação empírica (que, a propósito, é muitas vezes impossível de ser realizada).

Isto propicia o surgimento daquilo que chamo de efeito Mainardi. Um discurso bem articulado é o suficiente para produzir efeitos de verdade. A fanfarronice e a bravata são suficientes para o convencimento. Basta a leitura de uma coluna sobre política, em uma revista de circulação nacional, para que muitas pessoas adotem uma determinada perspectiva, em um movimento de "ciência política involuntária". Estou muito certo que deve haver alguma coisa um tanto disfuncional quando um livro do Mainardi ocupa uma vaga na prateleira de Sociologia de uma livraria...

Não quero desvalorizar o ofício dos jornalistas. Em um Estado Democrático como o Brasil é (podem argumentar em sentido contrário, mas as reformas liberais trouxeram o voto para as mulheres, acabaram com a escravidão, etc, etc), a liberdade de expressão é um elemento importante. Assim como a discordância política. O jornalismo político não deve ser imparcial e não deve ser ameno. Mas, sobretudo, ele não precisa ser condescendente com o Lula ou com o PT. O ponto central de meu argumento não está no que o Mainardi diz, mas no que ele causa.

Em um caso de polêmica envolvendo, digamos, uma teoria da Física Quântica, um físico de formação será considerado muito mais apto a discutir e argumentar a respeito do que a maioria das pessoas. Eventualmente, ele proporcionará um fechamento considerado como legítimo para a questão. Se a polêmica estiver na esfera política ou "sociológica", a supremacia do método científico desaparece. Anos de estudo (ou adestramento?) em sociologia tornam-se inúteis. Desaparece o esforço do raciocínio sociológico, do levantamento de dados, da construção de argumentos coerentes, e surge o combate ideológico e moral.

Corro o risco de um corporativismo rasteiro, eu sei. Mas me sinto no direito de defender a especificidade e as qualidades do argumento sociológico. Para mim, chega de sociologia de botequim! Chega da amálgama pouco criteriosa de moralismo, ideologia e verificação dos fatos sociais. O Mainardi (a "anta" dos cientistas políticos?) deveria se dar conta do tipo de dano que causa. Ele esconde por detrás de um discurso articulado - logo, com poder de verdade - seus preconceitos com a esquerda, com os nordestinos, com os semi-analfabetos. Sobretudo, esconde em seu discurso os aspectos mais sórdidos da moralidade da classe média brasileira, cada vez mais achatada e comprimida em direção à linha de pobreza. É direito dele, concordo. Mas ele deveria ser mas honesto e expôr claramente o tipo de raciocínio que ele defende.

Para completar o dano causado por Mainardi (e para concluir meu raciocínio), afirmo: sobretudo, ele deveria se dar conta do modus operandi que ele vêm semeando. O efeito Mainardi vem causando um empobrecimento da discussão política e sobre a política. Espalhou-se uma noção maniqueísta de eterna luta de bons contra ruins, do bem contra o mal. Está se impondo uma ilusão de que a política é uma imagem em preto-e-branco, de causalidade única (Fulano é presidente, logo Fulano é responsável pelas mazelas do país. Um processo histórico de exploração? Quem precisa entender disso?) e de descrença exagerada no sistema político.

Mainardis do Brasil, citando Tyler Durden: Sticking feathers up your butt does not make you a chicken ou, em português claro, enfiar penas na sua bunda não vai te tornar uma galinha. Ou ainda, para ser um pouco mais polido, falar verborragicamente sobre a política infelizmente não vai te tornar um bom analista político.

domingo, 15 de junho de 2008

O lado negro da Força!






Star Wars Exposição Brasil
São Paulo, 14/06/08

sexta-feira, 6 de junho de 2008

"Síncro o que?"

Algumas coisas acontecem sem qualquer planejamento. Por exemplo, eu nunca imaginei que algum dia eu teria a oportunidade de conhecer um laboratório de Física, com F maiúsculo, como aqueles dos filmes. E existem dois motivos para essa impressão: em primeiro lugar, eu sou sociólogo e ainda que arrisque algumas reflexões sobre Ciência, estes lugares parecem especialmente inacessíveis para quem não é da comunidade interna das ciências duras (física, química e similares). Além disso, onde existe um laboratório de tal qualidade, baseada em príncipios de Big Science (ciência com investimentos muito, muito altos) no Brasil?

Campinas tem um destes laboratórios; ele chama-se Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Ali existe o único acelerador de partículas da América Latina e alguns "brinquedinhos" curiosos (alguém sabe o que é um microscópio de varredura de ponta?). Por conta de um trabalho meio bobinho sobre nanotecnologia que estou fazendo com um pessoal aqui para uma das disciplinas do mestrado, acabei indo conhecer este "lugar estranho" e tendo uma experiência não-mediada sobre o que costuma ser chamado de science in the making, a realização diária da ciência.

Não, infelizmente não pude ver o acelerador de partículas, mas somente o acesso aos laboratórios de microscopia atômica (!) e de síntese nano-química foram uma experiência interessante. De um lado, algumas das imagens idealizadas sobre estes lugares, que guardamos da infância, não se mostraram tão inadequadas, afinal. Uma rápida olhada mostrou exatamente aquele emaranhado quase caótico de equipamentos, livros e quadros rabiscados com fórmulas. Até mesmo os cientistas correspondiam aos estereótipos infantis nutridos por doses cavalares de Sessão da Tarde. Meio aéreos, meio exóticos.

Mais de perto, minhas lições de Sociologia também apitavam nos meus ouvidos. Aquele ambiente é, sem dúvida e além da noção de "emaranhado quase caótico de equipamentos", uma intrincada construção sócio-técnica, que ordena elementos muito heterogêneos. Para aquilo existir, é preciso uma ordenação, uma cosmologia específica, onde elétrons, microscópios, financiamentos, as experiências pessoais dos pesquisadores, a política nacional para Ciência e Tecnologia e muitas outras coisas estejam, por assim dizer, alinhados. Acho que não há dúvidas da quantidade de trabalho necessário para fazer aquilo tudo funcionar. E, sobretudo, é preciso uma certa cultura, certos hábitos e uma certa noção de grupo para manter um laboratório.

Por si próprio, o fato de que ninguém jamais viu um elétron - a não ser através de um equipamento eletrônico complexo - já é desconcertante. Com uma mãozinha da Filosofia, eu poderia criar argumentos contrários à noção do mundo atômico e sub-atômico. Então, como provar que os conceitos elaborados pelos físicos encontram uma correspondência na realidade e não são simples divagações? "Give me a laboratory and I will raise the world"! Mais do que um todo ordenado e funcional, estes laboratórios de ponta são uma mediação entre as pessoas e uma certa natureza invisível. Um microscópio capaz de captar o nível atômico das partículas é, ao mesmo tempo, um instrumento e uma maneira de produzir discursos com poder de verdade. Em outras palavras, estas engenhocas são formatadores da realidade. Mas isto não acontece sem trabalho, óbvio.

A História da Física está repleta de mudanças de paradigmas (da Física de Newton para a Teoria da Relatividade, para citar um exemplo famoso) e estou convencido de que apesar de sua aparência sólida e estável, ela é um tanto contingencial e negocial. De fato, a compreensão sociológica da Física e seus laboratórios deve exigir uma postura assim do analista. É muito mais o estudo de uma cultura específica do que de conceitos e operações matemáticas. É fascinante e intrigante. É como conhecer um mundo novo.

Meio Sessão da Tarde, meio expedição antropológica!

Antes que eu esqueça: é pouco provável que eu vá ao Síncrotron novamente. Mas, se tiver outra oportunidade, aceito imediatamente. Isso é quase tão desafiador quanto encarar a bibliografia sociológica pessoalmente!

domingo, 1 de junho de 2008

Cinco dias em Botafogo...

...e circulando como um bom turista pelo Rio serviram para me dar uma nova perspectiva sobre a famigerada violência carioca. Em primeiro lugar, preciso dizer que NÃO fui assaltado. Bala perdida? Também não. Sentei em mesas na calçada nos barzinhos e não senti medo. Tampouco os cariocas pareciam paranóicos. Será que todos os clichês que ouvimos diariamente sobre o Rio de Janeiro são balelas? Como é possível que a experiência pessoal contrarie as noções que temos do mundo?

Não sou ingênuo de achar que algo que eu não testemunhei seja, de fato, inexistente. Não tenho a experiência cotidiana necessária para falar do Rio de Janeiro e sua "violência" (termo que aliás, é tão amplo que pode se tornar ambíguo, confuso). Caminhei pelos pontos turísticos e pelos bairros de classe média, e não na favela. Não tomei muitos ônibus nem passei muito tempo no metrô. Estou ciente disso. Devo ter experimentado apenas o Rio de Janeiro controlado, relativamente purificado, onde a racionalidade criminosa ainda não subverteu a racionalidade moderna de bem estar social, de propriedade privada e não-agressão.

Para mim, portanto, duas concepções conflitantes do Rio de Janeiro estavam presentes durante esses dias: em alguns instantes, o Rio violento, da TV e dos jornais, do crime; em outros, o Rio que eu estava vivenciando in loco, calmo, alegre e (pasmem!) seguro. Formar um julgamento definitivo tornou-se assim uma árdua tarefa. Minha experiência pessoal não era suficiente, por ser contraditória. Recorri, então, aos habitantes da cidade. Mais do que isso, recorri a um tipo específico de habitante do Rio: os taxistas.

O serviço de táxi no Rio é suficientemente barato para torná-lo viável para um visitante ocasional. Comparativamente com outras cidades (Blumenau, Campinas, BH) deve custar um terço do que é pago normalmente, eu creio. E, sem dúvida, os motoristas são muito simpáticos. Como é possível imaginar, convivem com uma ampla variedade de pessoas, nativas, conversando e interagindo com elas a respeito dos mais diversos assuntos. De algum modo, por conta destes contatos múltiplos e de sua própria racionalidade, devem servir como um "medidor" da concepção geral acerca de um tema, uma espécie de compêndio dos discursos possíveis sobre diversos assuntos, inclusive sobre a violência.

Nenhum dos taxistas com quem conversei negou a existência da violência. Ela é real. Está nas favelas, nos ônibus. Mas, em um belo exemplo de sociologia espontânea funcional e coerente (e, acreditem, eu tenho certeza que isso é muito raro) todos eles pareciam negar a noção do Rio como uma selva urbana, onde o homem é o lobo do homem e que onde tudo está prestes a ser destruído. A idéia da violência generalizada é tão exagerada que ignorá-la deveria ser óbvio. A violência (assim como a riqueza, por exemplo) distribui-se de modo desigual pelo território e eles pareciam estar muito certos a este respeito.

Além disso, eles jamais confundiam o fenômeno social e as pessoas que estão sob o efeito do fenômeno. Os pobres, negros e favelados nunca eram (no discurso dos sociólogos-taxistas) condenados pelos problemas sociais, ou nunca eram personalizados como a causa dos problemas. A noção de que um assaltante ou um ladrão pode ser também vítima de algum processo social nefasto estava tão clara para os taxistas quanto é para os sociólogos de formação.

Ainda não tenho uma opinião formada, firme e clara sobre a violência do Rio. Mas os taxistas deixaram bem clara qual deve ser a opinião do carioca médio e, ao emitirem estas opiniões, contribuem diariamente para a construção do Rio de Janeiro, enquanto um fenômeno amplo, enquanto um artefato social que é construído e reconstruído diariamente por todos aqueles que dele participam. O Rio de Janeiro que eu conhecia antes foi reconstruído por minha experiência de cinco dias circulando por lá. Se, por acaso, eu tivesse sido assaltado a construção final do "Rio de Janeiro" que eu conheço seria outra, mas o mecanismo seria o mesmo.

Com seu discurso, os economistas definem os mercados. Os físicos e biólogos, o mundo natural. Os sociólogos definem a imagem da sociedade. E os taxistas? Bem, eles dirigem carros e certamente ajudam a definir o mundo (o Rio) onde vivem.

...

O texto acima certamente mimetiza o discurso do sociólogo Michel Callon, com quem tive a oportunidade de conversar e entrevistar na última sexta, no final do congresso em que participei, no Rio. Mais do que aumentar o meu repertório sociológico, certamente vai qualificar meu currículo e me ajudar a conseguir alguma distinção no campo profissional. Para mim, muito mais do que um cartão postal em escala real, o Rio vai ser sempre este lugar onde os taxistas-sociólogos e os sociólogos de verdade contribuíram para mudar, de algum modo, a relação que eu tenho com o mundo.

Mas, para os próximos tempos, vou ter que por os pés no chão e voltar para as provas do mestrado (arrrghhhh!!! Economia!!!) e para a rotina e problemas de um estudante normal. O mundo muda, mas não tão depressa...

o Rio de Janeiro, fevereiro e março...



...e maio!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Coisas que não vemos todos os dias...

Acabo de chegar hoje em Campinas. Não fico surpreso com o fato de que em toda a viagem de ônibus que faço alguma coisa estranha ou diferente me chame a atenção. Desta vez, havia um homem - não um jovem, mas nada velho - que passou a noite inteira com a luz que fica acima da poltrona acesa. Medo do escuro? Não! Até onde pude perceber, ele estava corrigido provas de Física! Se dormiu, foi por poucos minutos; assim que o dia clareou botou-se a continuar com sua atividade, até o exato momento em que chegamos na rodoviária de São Paulo.

Amanhã pela manhã, tomo um ônibus para o Rio de Janeiro. Que bizarrice pode acontecer?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Memórias de BH (ou: o dia em que fiz piada com a bibliografia...)

Minha semana em Belo Horizonte gerou dois tipos de reminiscências: em primeiro lugar, a experiência de conhecer um lugar novo e uma cultura que difere da minha em pequenos (mas significantes) detalhes. Andar nas ruas em BH foi uma atividade de proximidade e distanciamento. Os sinais e a publicidade eram em português; os carros andavam na mesma direção em que se movem em Timbó ou Campinas. O dinheiro era o mesmo, os programas de televisão também. Por outro lado, alguns pequenos detalhes minuciosos denunciavam a minha presença em uma terra desconhecida. O gari varrendo a rua com uma surpreendente palha de coqueiro, o onipresente pão de queijo, a identidade cultural mineira reforçada verbalmente e de forma escrita e as pequenas variações linguísticas me relembravam constantemente da atividade turística, em sua essência. Me senti plenamente um turista.

A outra reminiscência, porém, é mais forte. A oportunidade ainda não banalizada de encontrar com a bibliografia (neste caso, com alguns dos autores que são a ponta da área em que estudo), ouvir algumas idéias ou teorias direto da fonte, sem filtros e distorções, tem um apelo fortíssimo. Independentemente de onde estamos inseridos na sociedade, temos alguns ícones, alguns exemplos de comportamento. Às vezes, desconstruímos estes ícones através de oposição, desencanto; outras vezes, através do conhecimento e compreensão. A proximidade com aquilo que é "mítico" e o enfraquecimento da assimetria que nos separa do que era "intocável", resulta em uma desconstrução positiva. E foi por isso que eu passei em Belo Horizonte, ao conhecer Mr. Harry Collins.

Durante meu treinamento na sociologia da ciência e tecnologia, Collins era sempre uma referência presente. Ele ajudou a construir este campo da sociologia e pode, sem dúvida, ser considerado como um de seus principais expoentes. Mas, após uma semana como expectador privilegiado de suas palestras e discussões, construiu-se em mim uma noção de desencantamento positivo. O homem não era mais exatamente um ícone, ou uma figura mítica idealizada acessada através de livros ou discursos alheios. Ainda demandava um certo respeito, é verdade, mas ele era acessível e compreensível.

Foi com este espírito que eu e meu colega Rafael encaramos o mito Collins após sua última palestra, para uma conversa de proximidade nunca antes imaginada. Sim, começamos o diálogo com alguma lisonja e circunstância, mas esta dissipou-se rapidamente. A conversa foi técnica, mas não distante. E até mesmo o deboche, que o prof. Gilberto já havia identificado em nós nos tempos de graduação, se fez presente. Eis uma reprodução aproximada do diálogo:

Collins: "Muito bem... foi um prazer conversar com vocês. E vocês podem me escrever por e-mail, com perguntas... vamos manter contato."

Eu: "Claro, claro... você tem um cartão, Mr.... como é mesmo o seu nome?"

Collins: "Hahaha... Essa foi boa... ah, eu não tenho cartão. Entre no Google e digite meu nome..."

E assim, em poucos dias, passei de um adorador um tanto submisso para um neófito fanfarrão! É óbvio que minha posição de novato me permite uma margem de manobra e o anonimato suficientes para passar incólume por esta deliciosa ousadia. Mas a conclusão é de que realmente operou-se naquele instante uma imprevistas iconoclastia, em um sentido positivo. Por estar mais próximo do núcleo duro da área e especialmente por não temê-lo, tenho a impressão que estou no caminho certo e que os esforços empreendidos em minha jornada acadêmica estão me levando para algum lugar...

Posfácio:

Na sexta, após a viagem de volta de BH, um feliz acidente histórico, conjugado com o destemor típico dos novatos, me apresentou a oportunidade de conhecer outro grande nome da área da sociologia da ciência e tecnologia, mounsier Michel Callon. Durante um seminário aqui no DPCT, descobrimos que uma pesquisadora irá realizar, por ocasião de um evento internacional, uma entrevista com Callon. De fato, ela seria acompanhada por outra pesquisadora que, para nossa sorte, não poderá participar. Ao final da palestra, quando o Rafael fez uma pergunta ligeiramente elaborada sobre o assunto em questão (Callon e seus trabalhos), a palestrante enxergou uma possibilidade de substituir sua colega ausente. Bastou então a audácia de nos voluntariarmos para a tarefa, que consistirá da entrevista e uma posterior publicação do resultado em alguma revista da área.

Agora falta dar o salto: deixar de ser turista acadêmico está se tornando uma realidade estranhamente próxima...

O que é mais fácil?

Pedir para que os motoristas não estacionem ou mobilizar alguns recursos modernos como engenheiros, empreiteiros, operários e máquinas e diminuir a possibilidade da inundação?



(lembrança de Belo Horizonte...)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Daqui de MG...

Olá!

Estou escrevendo daqui de Belo Horizonte. Tudo certo por aqui. Os mineiros tem um hábito estranho: toda vez que são perguntados sobre um endereço, localização ou informações do gênero, saem com uma resposta que invariavelmente inclui a frase "é pertim". A verdade é que o local SEMPRE fica a mais de quatro quadras de distância. Estranho. De todo modo, são sempre muito solícitos e gentis.

O pão de queijo realmente é "bão". O tanto que um pão de queijo pode ser "bão". Em termos de regionalismo e culinária fico, sem dúvida, com os assados argentinos, mas isso já é outro assunto.

O campus da UFMG é muito legal. Estamos participando do evento em um auditório da reitoria, com aquelas traduções simultâneas (desnecessárias) que se vê apenas em eventos grandes. Os ingleses vieram cheios de disposição, mas também estão fazendo a política e vendendo o seu próprio peixe. Está sendo legal, mas eu sempre tenho que manter as minhas ressalvas, não?

Ah, eu poderia me queixar da viagem de ônibus, que foi uma verdadeira lástima. O veículo chacoalhou ferozmente durante a maior parte do trajeto. Isso sem contar com as tias loucas e as crianças chorosas. Mas, acho que prefiro não ficar me queixando por qualquer besteira. O que importa é recomendar um Dramin (é com M ou N?) para quem passar pelo trajeto, de ônibus. E o albergue? Pagando R$ 16,00 a diária, deixo a descrição de lado e deixo a imagem por conta do leitor. Não é tão ruim quanto parece, mas também não é lá um cinco estrelas. Talvez eu coloque algumas fotos aqui...

Como escrevo de uma Lan House, vou me despedindo.

Até breve!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Strange news from another star (?)

Olá!

Sim, ainda estou por aqui. Um resfriado (ou seria gripe?) me deixou em estado de disfuncionalidade nos últimos dias, mas agora que já descartei a dengue e o ebola me sinto, aos poucos, retornando aos meus patamares produtivos normais.

Isto, porém, não significa que teremos atualizações em breve. Pelo contrário. No sábado estou indo para Belo Horizonte, capital mineira, participar de um evento de sociologia da ciência e tecnologia e devo ficar por lá durante uma semana. Se puder, mando notícias de lá. Caso contrário, isto aqui ficará meio inerte por mais algum tempo.

Até mais!

(para os curiosos, o sítio do evento: http://www.ufmg.br/sociologiadoconhecimento/)

terça-feira, 15 de abril de 2008

Orientação política e orientação disciplinar

Eu sei que a minha proposta era quase outra: incluir aqui algumas observações de cunho quase antropológico sobre o ambiente do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT). Ainda não consegui chegar a este nível de refinamento. Em primeiro lugar, ainda que minha condição de recém-chegado permita algum distanciamento, é difícil apreender algumas sutilezas quando estamos envolvidos, interessados e inseridos em determinado contexto; a própria condição da existência de um analista (o efeito do observador?) pode modificar a dinâmica do grupo. As pessoas se comportarão e se comunicarão autênticamente se souberem que são o objeto de avaliação de terceiros? Elas serão realmente espontâneas ou buscarão respostas estudadas?

Além disso, meu papel participante nas atividades do Departamento pode levar à conclusões induzidas, seletivas. Em outras palavras, posso ressaltar as evidências sociológicas que reflitam ou corroborem apenas meus conceitos e teorias prévias. Isto, é claro, pode invalidar completamente o meu relato, por mais elaborado e refinado ele possa parecer na superfície. Seria como produzir reflexões baseadas no senso comum sociológico. Se for para revestir meus preconceitos com um discurso semi-sociológico, é melhor nem produzir nada.

Logo nos primeiros dias em que estive aqui, notei (muito mais por instinto do que por bases empíricas) que o corpo social do Departamento (e, portanto, dos programas de pós-graduação) é muito heterogêneo. Por tratar-se de um área multi-disciplinar, pessoas com formação em diversas áreas distintas estão agrupadas em torno de um programa mais ou menos definido por seu tema e objeto de pesquisa. O ponto em comum é um objeto relativamente genérico, denominado de "Política Científica e Tecnológica". É claro que os consensos paradigmáticos em outras áreas do ensino e pesquisa universitárias são muito mais uma idealização do que uma realidade, mas é inegável que a variedade disciplinar do DPCT é um traço a ser ressaltado.

Ao ouvir alguns comentários de corredor (e aqui devo ressaltar o emprego das minhas técnicas de "etnografia de corredor" que remontam ao tempo da graduação) aferi que algumas pessoas percebiam uma distinção entre alunos e professores que operava em outro nível: havia uma clara noção de que as pessoas estavam também divididas e diferenciadas por conta de sua orientação política, representada pelos extremos também idealizados de esquerda e direita.

Partindo destas duas distinções (que chamarei aqui de "eixo de orientação política" e "eixo disciplinar") elaborei o seguinte quadro:



O eixo horizontal indica o suposto posicionamento político dos atores sociais, partindo da esquerda (caracterizada por sua aproximação com o socialismo, movimentos sociais, etc), e chegando na direita (predominantemente "liberal", com uma certa ética empresarial subjacente). No eixo vertical está representada a distinção da matriz disciplinar empregada pelos atores no trato do objeto de pesquisa genérico e compartilhado. Partimos das chamadas "ciências duras" - física, matemática, engenharias - presentes muito mais como uma influência de formação prévia do que exatamente um referencial disciplinar diretamente empregado, passamos pelas Ciências Sociais Aplicadas - Economia, Direito, Jornalismo - e chegando às Ciências Sociais - Sociologia, Antropologia - e, como um ponto extremo no gráfico, a Filosofia. Em termos gerais, proponho que todos os envolvidos com ensino e pesquisa no DPCT podem ser localizados no gráfico, utilizando determinados critérios que os posicionem em relação aos dois eixos.

Na figura existem áreas demarcadas por pontos tracejados. Elas correspondem a três grupos claramente identificáveis no contexto do Departamento. Na verdade, o GAPI (Grupo de Análise de Políticas de Inovação) e o GEOPI (Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e Inovação) são grupos estabelecidos e relativamente formais, que aglutinam atores que possuem orientações semelhantes. O terceiro grupo indicado, dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia, é muito mais uma extrapolação do modelo do que um grupo propriamente dito. A inserção destes grupos no esquema deve-se a dois motivos: a) o próprio quadro conceitual surgiu de reflexões parcialmente provocadas pela análise do discurso de membros dos grupos. Isto significa que o gráfico pretende ser apenas uma sistematização da própria clivagem que os atores fazem de seu contexto; b) trata-se de um mecanismo de teste e validação do esquema. Ao avaliarem o gráfico, os membros dos grupos poderão emitir juízos de concordância ou discordância, fornecendo elementos adicionais à análise.

Mas qual é finalidade deste quadro? Inicialmente, ele pode ser empregado como o ponto de partida de um mapeamento predominantemente estatístico. Poderíamos, por exemplo, tentar verificar índices bibliométricos, de citações ou participação em congressos, identificando prioritariamente a produtividade e prestígio. Ele poderia ser empregado também no processo de avaliação, justamente em termos disciplinares e políticos, do output acadêmico do Departamento, ou seja, na identificação do estado sócio-técnico atual deste campo, explicitando divergências e convergências entre os atores e grupos. De todo modo, serve como um "artefato" temporário para a visualização de determinados elementos de uma realidade social circunscrita que mereceria, certamente, análises mais dedicadas e detalhadas.

Como um desdobramento indireto do quadro, estou cogitando a possibilidade de testar outra hipótese: ainda que os atores se diferenciem, se relacionem e até mesmo antagonizem de acordo com os elementos apresentados anteriormente, a maioria deles possui um background em comum: a origem de classes média (e, em menor grau, classes altas). Esta origem determinaria, por exemplo, seu acesso ao sistema de ensino superior público ou sua maior aptidão com o jargão culto/científico, mais ou menos de acordo com o exposto por Bourdieu, em sua obra Os Herdeiros - Os estudantes e a cultura.

Obviamente, isso vai ficar para outra hora...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Rápidas observações sobre a alimentação e a identidade "étnica"

Por algumas vezes o tema foi mencionado aqui, mas nunca discutido propriamente. Longe de Santa Catarina, ressalto (algumas vezes conscientemente, outras não) alguns traços da minha personalidade ou alguns costumes para parecer mais catarinense, para reforçar minha identidade, quando em oposição aos paulistas. A linguagem, a postura diante de um ou outro fato da vida cotidiana, ou mesmo o modo de vestir são evidenciados neste processo. Mas é através da alimentação que realmente percebo que a minha identidade de catarinense do Vale se coloca antes da minha identidade de brasileiro.

Já preparamos cuca de banana e oferecemos para muitas pessoas. Trata-se de uma maneira de adequar a rotina diária daqui com os hábitos alimentares que possuíamos previamente. Mas, além disso, ao oferecermos a cuca para outras pessoas, tentamos convencê-los de que o hábito alimentar da cuca é bom, é legítimo. Com a cuca tentamos, ao mesmo tempo, demarcar nossa identidade e "colonizar" a culinária paulista. Se por um lado buscamos referências familiares, de nossa socialização prévia, por outro negamos a culinária local ou hierarquizamos os hábitos alimentares de duas regiões do Brasil, colocando os nossos próprios hábitos em uma posição privilegiada.

Alguns exemplos sobre as diferenças alimentares: um dia, o Rafael tentou comprar nata para cozinhar (outra cuca!). Não obteve sucesso. A nata industrializada, empacotada e consumida das mais diversas formas no Vale do Itajaí por aqui nem existe. As caixas de leite por aqui trazem, no verso, receitas específicas com os ingredientes típicos da região, como a mandioquinha. Pepino em conserva? Acho que nunca vi por aqui.

E então, a grande questão: até que ponto devo manter minha identidade étnica-alimentar? Devo ser um xiita culinário ou devo fazer como o adágio popular, que diz que estando em São Paulo, devo me alimentar como um paulista? Olhando a questão por esta ótica, fica mais fácil compreender o movimento dos gaúchos, que saem montando franquias (os CTGs) pelo Brasil inteiro, ou mesmo a disseminação do fast food americano. Somos todos, em maior ou menor grau, condicionados por nossa socialização primária e, sobretudo, temos a tendência de tentar mudar o mundo para torná-lo mais parecido com o nosso ideal.

Ou não?

(Estas foram algumas rápidas observações sobre a alimentação e a identidade "étnica". A seguir, voltamos com nossa programação normal)

terça-feira, 8 de abril de 2008

Vida de laboratório, vida do Departamento

Em 1979, Bruno Latour e Steve Woolgar publicaram um livro que tornou-se um marco nos Estudos Sociais da Ciência. A obra chama-se Laboratory Life e analisa antropologicamente o laboratório do vencedor do prêmio Nobel, Roger Guillemin, no Instituto Salk, na Califórnia. Trata-se de uma vasta observação de como a Ciência funciona internamente, levando em conta os procedimentos de um laboratório científico, a relação entre os cientistas, a discreta luta por prestígio, a divulgação dos resultados obtidos. O objeto de análise é o laboratório e, em um escopo maior, as ciências naturais.

Em um movimento de reflexividade, este tipo de análise etnometodológica poderia ser aplicada também às ciências humanas e sociais? É possível analisar os cientistas humanos e sociais pelo mesmo método? Qual é o locus da atividade científica nestas áreas, digamos, menos "duras"?

Estou convencido que, por conta de uma estratégia de auto-preservação, este tipo de análise reflexiva poucas vezes é empregada pela sociologia ou, mais especificamente, pelos estudiosos da Ciência e Tecnologia, acerca de seu próprio ofício. Construímos, afinal, nossa própria caixa-preta. Não pretendo tomar para mim o projeto de realizar esta análise. Ainda não. Eventualmente, porém, acho que vou colocando aqui algumas das minhas observações sobre a vida dos pesquisadores do Departamento de Política Científica, daqui da UNICAMP. O que eles fazem? Como se organizam e como se relacionam? Como "produzem" fatos científicos? Como se posicionam politicamente?

Acho que um relato deste gênero servirá para exercitar o sociólogo que está por aqui, dentro de mim, perdido no mar do jargão da Economia. E, para quem for paciente, deverá servir como uma espécie de diário de campo antropológico; algo como visitar uma tribo exótica de um lugar distante...

Bon voyage!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Algumas pontas soltas?

Vou começar propondo uma divagação: o que caracteriza nossa vida, nestes tempos atuais? Até onde podemos imaginar, o homem medieval pautava sua rotina pelos tempos da natureza - as estações, os ciclos dos dias e noites, o calendário das festas religiosas. Na Revolução Industrial, ocorreu a submissão aos tempos das fábricas e das máquinas. Horários rígidos, cronometragem, a segregação do espaço do trabalho do espaço da vida privada. E hoje? Quais os ciclos que seguimos? Qual a distinção que fazemos entre público e o privado?

Nossa corporeidade já não importa tanto, eu creio. Com a sofisticação das telecomunicações, da internet e da representação gráfica computacional, somos capazes de modificar a realidade - trabalhar, socializar, exercer nossa afetividade, deixar rastros históricos - sem estarmos necessariamente vinculados a um espaço físico. Nosso self tornou-se móvel e nossas atividades cada vez menos físicas, em um sentido estrito. A pessoa que deixou este "rastro" digital é tão real quanto aquela que conversa em uma mesa de bar. A diferença é que minhas idéias potencialmente podem atingir o mundo todo, sem o deslocamento da minha cansada carcaça.

Por outro lado, nossos tempos e ciclos também mudaram. O ideal de tempos regulados das fábricas e escolas de algumas décadas atrás foi expandido para um conceito de, digamos, "tempo real". A evolução do processo industrial (automação), o progresso do processamento computacional e o fenômeno da decadência da corporeidade nos forçaram a viver em um tempo útil contínuo. Se não preciso mais estar presente fisicamente em um escritório ou em uma biblioteca para realizar uma atividade e se não preciso mais aguardar dias para uma comunicação chegar ao seu destino, tudo acontece ao mesmo tempo agora.

O homem medieval se submetia aos tempos da Natureza. O homem industrial aos tempos da Fábrica. E nós, homens e mulheres do século XXI, estamos submetidos ao tempo real: para alguns, o trabalho, o aprendizado, o lazer, a afetividade e o descanço acontecem simultâneamente, diante de um computador, de uma televisão ou com um telefone celular. Respondemos ao e-mail de nossos namorados e namoradas, falamos com alguém ao telefone, assistimos aos vídeos cômicos do YouTube, nos colocamos a ler textos de autores que publicaram um artigo científico do outro lado do mundo, negociamos nossa posição profissional através do MSN e massacramos inimigos virtuais em jogos on-line. Tudo isso quase simultâneamente e em qualquer lugar que propicie uma infra-estrutura básica de acesso à internet e rede elétrica.

Aqueles que estão submetidos a esta configuração social (e não são todas as pessoas do mundo que o são) organizam a vida em torno da perspectiva de conclusão das atividades, em função do processamento. É um pouco como a lógica informacional: temos uma fila de tarefas, ordenadas por sua entrada em nossa agenda e reordenadas de acordo com suas prioridades. Também podemos processar nossas atividades paralelamente: enquanto escrevo este texto, posso verificar meus e-mails, falar ao telefone, baixar músicas na internet. E algumas atividades, por terem baixa prioridade, vão ficando relegadas aos momentos menos concorridos de nosso tempo diário. Criamos, por necessidade de conviver com esta realidade, um monstro chamado "gerenciamento do tempo".

Ainda não escrevi sobre o Vale. Ainda não escrevi sobre as estradas paulistas e paranaenses. Ainda não escrevi sobre as vagas de idosos no estacionamento do shopping. Ainda não consegui terminar meu artigo. Estas são minhas "pontas soltas", estes são os itens pendentes de minha agenda. Em respeito a eles, escrevi este texto. E, por conta deles, vou ter que reordenar meus tempos mais uma vez.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Sem justificativas para a inatividade, mas...

Aos meus poucos (mas interessados) leitores:

Talvez eu esteja dentro do padrão de normalidade. Algo mais ou menos assim: "75% dos blogs mantém posts diários durante as primeiras duas semanas. Após a terceira semana, a frequência de atualizações reduz consideravelmente; apenas cerca 20.53% continuam com atualizações diárias. Outros 30% não recebem mais atualizações... etc, etc". ***

Por outro lado, também não quero criar mais uma formalidade. A idéia é escrever espontâneamente. Se isso não acontecer, prefiro não ficar alimentando a internet com reflexões burocráticas e consumindo o tempo das pessoas com a leitura de um texto desmotivado, sem cores. Um dia desses, ao comentar sobre as pessoas que ficam falando asneiras precipitadas na sala de aula, só para garantir a nota de participação, eu acabei falando algo assim: se não tem nada relevante para dizer, fique quieto. Talvez seja este o sentido.

Mas existe outra explicação. Talvez a última semana tenha sido mesmo cansativa e pouco produtiva. Só de relembrar os infortúnios que me ocorreram fico cansado e ligeiramente abatido. Basta mencionar que eu tive aulas canceladas, problemas com a abertura da conta para receber a bolsa e preocupações que exigiam mais da minha atenção do que o exibicionismo digital da minha escrita. Ao começar esta semana com ânimo renovado para minhas atividades acadêmicas, pretendo também renovar meu impulso narrativo e, assim, dar mais movimento para este blog.

Aos poucos e estimados leitores, eu recomendo paciência. Para mim mesmo, recomendo um pouco mais de disciplina.

Até breve!

*** Confie somente nas estatísticas que você mesmo inventou.

terça-feira, 18 de março de 2008

Faz dias que isso aqui não vê um texto novo, eu sei...

Ando um tanto ocupado. A carga de leitura no mestrado é um grande e os textos não são muito fáceis. Nunca tive na FURB uma aula de Economia que fosse aproveitável, e agora estou tendo que encarar de Schumpeter para baixo. É uma tarefa meio lenta e um tanto cansativa. Me esforço um pouco, mas Economia não é lá muito minha maior área de interesse.

Estive ocupado também escrevendo o tão prometido artigo científico, baseado no meu TCC e que deverá ser encaminhado para alguma revista de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Eis outra tarefa árdua: estou muito contente (sempre estive!) com o meu TCC, acho que é um bom trabalho. Mas o tempo que passou e as coisas que aprendi depois da apresentação do trabalho o tornarão levemente "desatualizado" ou um tanto "incompleto". Estou tentando incorporar novas idéias ao texto antigo e, para que o produto final não pareça um Frankenstein meio disforme, tenho que queimar alguns neurônios também com isso. E estou devendo essa para o Mattedi.

Por fim, também estive revisando os arquivos da Folha do CACS - o informativo que editávamos no tempo do Centro Acadêmico - buscando inspiração para escrever uma apresentação para a obra que o Sr. Tulio Vidor está preparando: uma "Antologia" de todas as edições da Folha do CACS. O texto ficou pronto, afinal, mas não vou colocar ele no blog. Prefiro deixar ele inédito até o momento do lançamento de nossa obra. Depois - quem sabe? - coloco ele aqui.

(algumas outras coisas andam rondando minha cabeça e mereceriam um espaço neste blog. A vaga para idosos no estacionamento do shopping, por exemplo. Qualquer hora, coloco uma ou outra idéia sobre isso também)

Amanhã volto para o Vale, para passar o feriado de Páscoa. Estou feliz com isso. Vou de carro e durante o dia. Depois de algumas viagens noturnas em ônibus, finalmente vou poder observar um pouco da paisagem paulista e paranaense. Talvez terei combustível para mais algumas linhas neste humilde diário digital.E, é claro, estou ansioso para rever alguns rostos conhecidos, botar o papo em dia e amenizar as saudades.

E, depois, voltar a me ocupar...

sábado, 15 de março de 2008

Google Earth

Há quem diga que a Google vai dominar a Internet. Mecanismo de busca, e-mail, rede social, editor de textos on-line, mapas, YouTube e em um futuro próximo, o concorrente definitivo para o iPhone. Muita gente fica impressionada com a rapidez do crescimento da empresa e com sua capacidade de inovação. Eu também. Esse post, no entanto, não é para discutir e problematizar o futuro da Google.

Sempre tive uma admiração pelo Google Earth. A começar pelo ineditismo da idéia, passando pelo assombro causado pela especulação sobre o tamanho do banco de dados e as conjecturas a respeito do acesso da empresa aos dados de satélites privados e governamentais. Extrapolando um pouco a reflexão, podemos até mesmo afirmar que isto é o resultado cultural de conceitos como "aldeia global" ou "mundo globalizado". Quando, na História da cartografia, foi possível enxergar nosso mundinho dessa maneira? Alguma vez tivemos uma cosmologia que retratasse a Terra deste modo?

E quando eu poderia mostrar para os amigos, a minha residência e meu local de estudos com imagens de satélite? Graças ao Google Earth, agora eu posso!

a) se você estiver interessado, em primeiro lugar você terá que ter o Google Earth instalado. Nada problemático, é só "jogar no Google";

b) depois, baixar os arquivos que estão aqui. Os quatro arquivos estão dentro da pasta virtual "Google Earth";

c) No Google Earth, abra os arquivos através do menu Arquivo/Abrir.

O arquivo chama "Casa", vai apontar para a minha residência atual, no calmo distrito de Barão Geraldo. Para ter uma idéia do caminho que faço quase diariamente, para ir estudar no Instituto de Geociências, em seguida abra o arquivo "Eu passo por aqui". Você vai ver o pequeno caminho que passa entre o lago da UNICAMP e que é, no final das contas, o momento em que estou entrando na Universidade. O arquivo "IGE" vai mostrar a localização aproximada da minha sala de estudo e do local onde tenho aulas. Pelo caminho, o marco central da UNICAMP, a Biblioteca Central, o Bandeijão (outro arquivo) e outros locais interessantes (?). O próprio Google Earth vai mostrar alguns links para fotos das redondezas.

Baixe os arquivos e imagine este sedentário caminhando este tantão, divirta-se e ajude a Google a modificar nossa cultura e a dominar o mundo!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Ontem choveu...

Um pouco. Foi mais uma daquelas chuvas de Campinas, mas foi o suficiente para me molhar - quando eu estava indo para a UNICAMP e quando estava voltando para casa. Que ironia! É claro que isso não me impedirá de continuar reclamando do tempo de Campinas. Agora falta comprar um guarda-chuva.

...

Ontem recebi um e-mail. A remetente é aluna do curso de Ciências Sociais da UFPR, e me perguntou sobre o último ERECS. Pobre menina. Acho que ela não esperava uma resposta tão longa e tão irritada quanto aquela que elaborei. Me dei conta de que, além das conversas com alguns amigos, nunca declarei publicamente a minha opinião a respeito do evento, minhas impressões e depressões sobre a coisa toda. Então, num movimento praticamente espasmódico, redigi um longo e-mail e me livrei disso.

Não é um texto muito elaborado. Foi como se eu estivesse falando aquilo tudo diretamente para alguém. Está um pouco confuso, não foi revisado. E, afinal, é um texto que não quero que ocupe meu espaço aqui, neste blog. Então ele foi para o desfuncional blog do ERECS 2007 e pode ser acessado no link abaixo:

http://erecs2007.blogspot.com/

Chove, chuva!