domingo, 1 de junho de 2008

Cinco dias em Botafogo...

...e circulando como um bom turista pelo Rio serviram para me dar uma nova perspectiva sobre a famigerada violência carioca. Em primeiro lugar, preciso dizer que NÃO fui assaltado. Bala perdida? Também não. Sentei em mesas na calçada nos barzinhos e não senti medo. Tampouco os cariocas pareciam paranóicos. Será que todos os clichês que ouvimos diariamente sobre o Rio de Janeiro são balelas? Como é possível que a experiência pessoal contrarie as noções que temos do mundo?

Não sou ingênuo de achar que algo que eu não testemunhei seja, de fato, inexistente. Não tenho a experiência cotidiana necessária para falar do Rio de Janeiro e sua "violência" (termo que aliás, é tão amplo que pode se tornar ambíguo, confuso). Caminhei pelos pontos turísticos e pelos bairros de classe média, e não na favela. Não tomei muitos ônibus nem passei muito tempo no metrô. Estou ciente disso. Devo ter experimentado apenas o Rio de Janeiro controlado, relativamente purificado, onde a racionalidade criminosa ainda não subverteu a racionalidade moderna de bem estar social, de propriedade privada e não-agressão.

Para mim, portanto, duas concepções conflitantes do Rio de Janeiro estavam presentes durante esses dias: em alguns instantes, o Rio violento, da TV e dos jornais, do crime; em outros, o Rio que eu estava vivenciando in loco, calmo, alegre e (pasmem!) seguro. Formar um julgamento definitivo tornou-se assim uma árdua tarefa. Minha experiência pessoal não era suficiente, por ser contraditória. Recorri, então, aos habitantes da cidade. Mais do que isso, recorri a um tipo específico de habitante do Rio: os taxistas.

O serviço de táxi no Rio é suficientemente barato para torná-lo viável para um visitante ocasional. Comparativamente com outras cidades (Blumenau, Campinas, BH) deve custar um terço do que é pago normalmente, eu creio. E, sem dúvida, os motoristas são muito simpáticos. Como é possível imaginar, convivem com uma ampla variedade de pessoas, nativas, conversando e interagindo com elas a respeito dos mais diversos assuntos. De algum modo, por conta destes contatos múltiplos e de sua própria racionalidade, devem servir como um "medidor" da concepção geral acerca de um tema, uma espécie de compêndio dos discursos possíveis sobre diversos assuntos, inclusive sobre a violência.

Nenhum dos taxistas com quem conversei negou a existência da violência. Ela é real. Está nas favelas, nos ônibus. Mas, em um belo exemplo de sociologia espontânea funcional e coerente (e, acreditem, eu tenho certeza que isso é muito raro) todos eles pareciam negar a noção do Rio como uma selva urbana, onde o homem é o lobo do homem e que onde tudo está prestes a ser destruído. A idéia da violência generalizada é tão exagerada que ignorá-la deveria ser óbvio. A violência (assim como a riqueza, por exemplo) distribui-se de modo desigual pelo território e eles pareciam estar muito certos a este respeito.

Além disso, eles jamais confundiam o fenômeno social e as pessoas que estão sob o efeito do fenômeno. Os pobres, negros e favelados nunca eram (no discurso dos sociólogos-taxistas) condenados pelos problemas sociais, ou nunca eram personalizados como a causa dos problemas. A noção de que um assaltante ou um ladrão pode ser também vítima de algum processo social nefasto estava tão clara para os taxistas quanto é para os sociólogos de formação.

Ainda não tenho uma opinião formada, firme e clara sobre a violência do Rio. Mas os taxistas deixaram bem clara qual deve ser a opinião do carioca médio e, ao emitirem estas opiniões, contribuem diariamente para a construção do Rio de Janeiro, enquanto um fenômeno amplo, enquanto um artefato social que é construído e reconstruído diariamente por todos aqueles que dele participam. O Rio de Janeiro que eu conhecia antes foi reconstruído por minha experiência de cinco dias circulando por lá. Se, por acaso, eu tivesse sido assaltado a construção final do "Rio de Janeiro" que eu conheço seria outra, mas o mecanismo seria o mesmo.

Com seu discurso, os economistas definem os mercados. Os físicos e biólogos, o mundo natural. Os sociólogos definem a imagem da sociedade. E os taxistas? Bem, eles dirigem carros e certamente ajudam a definir o mundo (o Rio) onde vivem.

...

O texto acima certamente mimetiza o discurso do sociólogo Michel Callon, com quem tive a oportunidade de conversar e entrevistar na última sexta, no final do congresso em que participei, no Rio. Mais do que aumentar o meu repertório sociológico, certamente vai qualificar meu currículo e me ajudar a conseguir alguma distinção no campo profissional. Para mim, muito mais do que um cartão postal em escala real, o Rio vai ser sempre este lugar onde os taxistas-sociólogos e os sociólogos de verdade contribuíram para mudar, de algum modo, a relação que eu tenho com o mundo.

Mas, para os próximos tempos, vou ter que por os pés no chão e voltar para as provas do mestrado (arrrghhhh!!! Economia!!!) e para a rotina e problemas de um estudante normal. O mundo muda, mas não tão depressa...

2 comentários:

iconoclasta disse...

Spiess esta sendo fagocitado pelo mundo academico.
;)

Rolo disse...

Fagocitado? Hahahha... boa, não tinha pensado nessa!