domingo, 16 de novembro de 2008

Fascínio e distanciamento; fascínio e experiência

Músicos existem por aí, aos montes. Os jovens adolescentes que querem aprender a tocar guitarra para poder montar uma banda, os artistas de rua que esperam uma esmola, os invisíveis operários da indústria musical, anônimos que compõe e gravam os jingles que ouvimos no rádio e televisão. Utilizando uma metáfora visual a qual todos estamos habituados, posso afirmar que eles são a base de uma pirâmide social. Eles são a "classe D" do showbizz.

No topo da pirâmide estão as estrelas da MTV, do rádio e dos programas de auditório. Muitos deles ascenderam socialmente, outros herdaram posições de familiares, outros foram fabricados e colocados no estrato superior por conta de interesses e esforço alheio. Não importa. Todos eles ocupam uma posição distinta: eles são exemplos e estão posicionados onde todos os outros querem chegar; eles têm capacidade de determinar, em maior ou menor grau, a dinâmica deste espaço social, indicando tendências a serem seguidas; eles causam fascínio, apesar de distantes.

Na semana anterior, eu tive a oportunidade de ir ao show do R.E.M., grupo americano que há muito me fascina pela qualidade e pela estética específica. E lá eu estava, reforçando a posição privilegiada daqueles estadunidenses, reforçando o sentido de esoterismo (no sentido de mistério, secretismo) daquelas pessoas. Pessoas normais alçadas à condição de semi-deuses vagando pela Terra? Sim, é verdade. E é assim que o showbizz e o mundo do pop-rock funcionam.

Dizem que a distância garante o encantamento. O que poderia acontecer depois de testemunhar aquelas pessoas ao vivo, sem os recursos e filtros da mídia, da divulgação cuidadosamente estudada? Eles manteriam seu fascínio? Poderiam eles corresponder à expectativa criada em torno de sua entidade coletiva, o R.E.M.? Ou tudo depende dos mecanismos da indústria musical?

Ainda que seja difícil dizer o quanto o fascínio ainda guiava minhas impressões, mas a experiência de vivenciar o R.E.M. ali, a poucos metros de distância, me fez pensar que talvez o showbizz não seja exatamente uma grande construção maquiavélica para criar ídolos e vender discos. O denuncismo conspiracionista anti-capitalista não serve exatamente para muita coisa e a força da apresentação, as boas execuções das músicas, a presença de Michael Stipe no palco não destruíram o fascínio. O encanto foi, na realidade, reforçado pela experiência. Se eles não fossem os famosos músicos, se eu os assistisse em qualquer festival medíocre, eu creio que ainda ficaria impressionado.

Por outro lado, é difícil negar o poder que o público concede quando canta em um uníssono de centenas de vozes. Ou quando aplaude vigorosamente. O êxtase do show de rock deve ser muito parecido, afinal, com o êxtase religioso. Explica-se pelo fascínio, mas também pela dimensão coletiva, de compartilhamento, de comunidade. Tentemos imaginar o polissemia de significados pessoais atribuídas ao hit "Losing My Religion", por exemplo. Ao cantar em voz alta, todos nós reforçarmos este significado pessoal e afirmamos que aquilo possui um sentido específico.

No final das contas, eles possuem condições de causar fascínio por conta de suas qualidades como músicos ou dependem do culto dos fãs? A resposta ideal deve incorporar estes dois elementos. Eles não são semi-deuses, mas também não são pessoas comuns. Eles são bons músicos, mas o show deve muito aos fãs. O evento se explica em si, e não por conta apenas de um suposto poder simbólico do rock star. E, analisando por esta ótica, o show foi uma ótima experiência. They really rocked out!

(um abraço para o Evanio, fã do R.E.M. e companheiro no show!)

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