sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Sobre o ano eleitoral (que ano eleitoral? e as Olimpíadas?)

Passado o espetáculo olímpico, as eleições municipais (e até mesmo as eleições norte-americanas) vão tomando espaço nas discussões diárias da população brasileira. Tenho a impressão, porém, de que a cobertura jornalística olímpica foi mais intensiva. A legislação eleitoral atual pode contribuir para isso: redes de TV e rádio, por serem concessões públicas, estão sujeitas a alguns constrangimentos ao veicularem informações sobre as eleições.

Por outro lado, parece que é evidente o desinteresse e a desconfiança do brasileiro médio em relação aos políticos e suas atividades. Daí o fato das eleições serem muito mais uma irritante obrigação, quando poderiam ser vistas como um direito fundamental e uma oportunidade importante. O discurso do "político é tudo igual" impera e a crença no amadurecimento político da democracia brasileira vai sendo assim prejudicado. É claro que a classe política é merecedora da desconfiança que temos com ela. Estudos apontam para uma situação de corrupção endêmica no país e estamos ficando meio anestesiados, meio indiferentes, com os sucessivos escândalos políticos que ganham os noticiários. Porém, para que (ou para quem?) serve apatia política? Vale a pena investirmos nossa inteligência com generalizações sobre a política e deixar que ela se torne algo endógeno, intrinsicamente para a própria classe política? Certamente, virar as costas para os políticos não os tornará menos corruptos.

Eis então a primeira generalização que deve ser analisada: "a corrupção no Brasil apenas cresce e se espalha como um câncer em estado de metástase". A hipótese não é facilmente refutável, é verdade, mas as pessoas analisam a democracia brasileira de maneira muito superficial. Vivemos em uma democracia recente - a Nova República tem, de fato, pouco mais de vinte anos - e nossa tradição política após o Império é marcada por grandes períodos sob os auspícios de ditaduras (primeiro Vargas e depois os milicos). As crises são sempre sinais de mudanças, mas nem sempre são negativas. A crise da corrupção no Brasil (começando talvez com Collor, para chegar em mensalão) pode significar, ao invés de decadência, um crescente amadurecimento político. A corrupção na ditadura obviamente existia, mas estava oculta pela força bruta e repressão. Talvez somente agora estejamos aprendendo a lidar com as inúmeras variáveis em jogo na política, e justamente a proliferação e a repercussão de escândalos políticos sejam o resultado desta crise. É a esfera política da sociedade reagindo. Neste sentido, a apatia encobre todo a experiência pedagógica destes acontecimentos. Os culpados devem ser punidos e as leis devem melhorar, mas para isso o brasileiro deve começar a seu preocupar com o mundo público, com a pólis.

A segunda generalização mais comum pode ser resumida nos seguintes termos: "os políticos são uns vagabundos que não trabalham". Novamente, a própria classe política nos dá motivos suficientes para considerar a hipótese como verdadeira, mas quantos de nós acompanham a vida diária de um político? Quantos dos eleitores sabem como é, de fato, a rotina de seu senador, deputado ou prefeito? Como um exercício de raciocínio sociológico, fico me perguntando a quantidade de trabalho (em um sentido amplo) necessária para criar uma carreira política? Quais os investimentos materiais e emocionais ao longo de uma carreira de vinte anos de carreira política? É certo que maioria dos políticos jamais "pegou no pesado" dentro de uma fábrica, mas em um contexto de uma relativa divisão social do trabalho, eles fazem o esforço que muitos de nós alegremente negligenciou - o combate discursivo e a atividade de tempo integral da exposição pública. Mesmo se pensarmos nas confabulações ilícitas, poderemos concluir que há esforço empregado ali. Sim, isto tudo também é trabalho. Um tipo diferente de trabalho, muitas vezes muito bem remunerado, mas ainda assim um trabalho. Se me perguntarem se os políticos ganham demais, responderei em alto e bom tom: sim! Mas acho que é um tanto apressado dizer que eles não trabalham. Novamente, o fator determinante aqui é a participação política dos eleitores, dos cidadãos, atuando como o controle.

Eu fico imaginando se existe alguma estatística indicando a quantidade de horas que um telespectador médio brasileiro empregou diante da televisão e com a internet no último mês, se informando sobre os Jogos Olímpicos. Digamos, para fins de exposição de meus argumentos, que tenha sido, em média, cerca de míseros cinco minutos diários. Será que a mesma pessoa estaria disposta de investir a mesma quantidade de tempo assistindo o horário eleitoral gratuito ou a TV Senado? Em última instância, eu acredito que uma pessoa deve ter a liberdade de empregar seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, mas tenho uma forte intuição de que o povo tem o governo que merece; enquanto a Olimpíada for mais importante que a política teremos sempre mais do mesmo - vamos culpar os políticos, porque assim é mais fácil. É verdade que a maior parte dos brasileiros não tem condições para acompanhar o processo político em sua plenitude. As pessoas devem trabalhar, cuidar da casa, descansar. Nem todos têm a educação política necessária para entender o jargão e as nuances dos processos políticos. Isto é compreensível. Mas ainda bem que para esta atividade nós temos... OS POLÍTICOS!

Não é incrível?

2 comentários:

O FURBservador disse...

Muito bem meu caro!
Entretanto me ocorre uma felpinha na fogueira. Quando falas em alto e bom tom que os políticos ganham muito, te referes ao nominal? Cruzando com a quantidade de trabalho que colocas, a dúvida me consome, confesso!
Esses tais políticos são uma das únicas classes onde, no senso habitual, consideramos como remuneração valores de origem completamente alheia ao nosso conhecimento.

Abraço.

Tulio

Rolo disse...

Eu estava falando, na verdade, do salário oficial (acho que é isso que queres dizer quando falas em "nominal").

Os ganhos extras, provenientes e corrupção e uso indevido do sistema político? Bem, estes também são elevados, mas... segundo a justiça, todo mundo é inocente até que se prove o contrário.

Em tese, deveriam existir mecanismos de transparência e "controle cidadão" dos gastos públicos, mas isso é um desdobramento da discussão que demandaria mais umas tantas linhas... quem sabe outro dia!

Boa sorte com o FURBservador!