sexta-feira, 6 de junho de 2008

"Síncro o que?"

Algumas coisas acontecem sem qualquer planejamento. Por exemplo, eu nunca imaginei que algum dia eu teria a oportunidade de conhecer um laboratório de Física, com F maiúsculo, como aqueles dos filmes. E existem dois motivos para essa impressão: em primeiro lugar, eu sou sociólogo e ainda que arrisque algumas reflexões sobre Ciência, estes lugares parecem especialmente inacessíveis para quem não é da comunidade interna das ciências duras (física, química e similares). Além disso, onde existe um laboratório de tal qualidade, baseada em príncipios de Big Science (ciência com investimentos muito, muito altos) no Brasil?

Campinas tem um destes laboratórios; ele chama-se Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Ali existe o único acelerador de partículas da América Latina e alguns "brinquedinhos" curiosos (alguém sabe o que é um microscópio de varredura de ponta?). Por conta de um trabalho meio bobinho sobre nanotecnologia que estou fazendo com um pessoal aqui para uma das disciplinas do mestrado, acabei indo conhecer este "lugar estranho" e tendo uma experiência não-mediada sobre o que costuma ser chamado de science in the making, a realização diária da ciência.

Não, infelizmente não pude ver o acelerador de partículas, mas somente o acesso aos laboratórios de microscopia atômica (!) e de síntese nano-química foram uma experiência interessante. De um lado, algumas das imagens idealizadas sobre estes lugares, que guardamos da infância, não se mostraram tão inadequadas, afinal. Uma rápida olhada mostrou exatamente aquele emaranhado quase caótico de equipamentos, livros e quadros rabiscados com fórmulas. Até mesmo os cientistas correspondiam aos estereótipos infantis nutridos por doses cavalares de Sessão da Tarde. Meio aéreos, meio exóticos.

Mais de perto, minhas lições de Sociologia também apitavam nos meus ouvidos. Aquele ambiente é, sem dúvida e além da noção de "emaranhado quase caótico de equipamentos", uma intrincada construção sócio-técnica, que ordena elementos muito heterogêneos. Para aquilo existir, é preciso uma ordenação, uma cosmologia específica, onde elétrons, microscópios, financiamentos, as experiências pessoais dos pesquisadores, a política nacional para Ciência e Tecnologia e muitas outras coisas estejam, por assim dizer, alinhados. Acho que não há dúvidas da quantidade de trabalho necessário para fazer aquilo tudo funcionar. E, sobretudo, é preciso uma certa cultura, certos hábitos e uma certa noção de grupo para manter um laboratório.

Por si próprio, o fato de que ninguém jamais viu um elétron - a não ser através de um equipamento eletrônico complexo - já é desconcertante. Com uma mãozinha da Filosofia, eu poderia criar argumentos contrários à noção do mundo atômico e sub-atômico. Então, como provar que os conceitos elaborados pelos físicos encontram uma correspondência na realidade e não são simples divagações? "Give me a laboratory and I will raise the world"! Mais do que um todo ordenado e funcional, estes laboratórios de ponta são uma mediação entre as pessoas e uma certa natureza invisível. Um microscópio capaz de captar o nível atômico das partículas é, ao mesmo tempo, um instrumento e uma maneira de produzir discursos com poder de verdade. Em outras palavras, estas engenhocas são formatadores da realidade. Mas isto não acontece sem trabalho, óbvio.

A História da Física está repleta de mudanças de paradigmas (da Física de Newton para a Teoria da Relatividade, para citar um exemplo famoso) e estou convencido de que apesar de sua aparência sólida e estável, ela é um tanto contingencial e negocial. De fato, a compreensão sociológica da Física e seus laboratórios deve exigir uma postura assim do analista. É muito mais o estudo de uma cultura específica do que de conceitos e operações matemáticas. É fascinante e intrigante. É como conhecer um mundo novo.

Meio Sessão da Tarde, meio expedição antropológica!

Antes que eu esqueça: é pouco provável que eu vá ao Síncrotron novamente. Mas, se tiver outra oportunidade, aceito imediatamente. Isso é quase tão desafiador quanto encarar a bibliografia sociológica pessoalmente!

2 comentários:

iconoclasta disse...

É, nao ha nada senao aceitar altos niveis de complexidade.
Por onde anda a beleza da chuva?

Rolo disse...

Meu caro,

ainda não esqueci do encanto da chuva. Mas ela é tão rara por estes lados... e tão sem encantos. A chuva de Palmeiras tem muito mais significado.