segunda-feira, 12 de maio de 2008

Memórias de BH (ou: o dia em que fiz piada com a bibliografia...)

Minha semana em Belo Horizonte gerou dois tipos de reminiscências: em primeiro lugar, a experiência de conhecer um lugar novo e uma cultura que difere da minha em pequenos (mas significantes) detalhes. Andar nas ruas em BH foi uma atividade de proximidade e distanciamento. Os sinais e a publicidade eram em português; os carros andavam na mesma direção em que se movem em Timbó ou Campinas. O dinheiro era o mesmo, os programas de televisão também. Por outro lado, alguns pequenos detalhes minuciosos denunciavam a minha presença em uma terra desconhecida. O gari varrendo a rua com uma surpreendente palha de coqueiro, o onipresente pão de queijo, a identidade cultural mineira reforçada verbalmente e de forma escrita e as pequenas variações linguísticas me relembravam constantemente da atividade turística, em sua essência. Me senti plenamente um turista.

A outra reminiscência, porém, é mais forte. A oportunidade ainda não banalizada de encontrar com a bibliografia (neste caso, com alguns dos autores que são a ponta da área em que estudo), ouvir algumas idéias ou teorias direto da fonte, sem filtros e distorções, tem um apelo fortíssimo. Independentemente de onde estamos inseridos na sociedade, temos alguns ícones, alguns exemplos de comportamento. Às vezes, desconstruímos estes ícones através de oposição, desencanto; outras vezes, através do conhecimento e compreensão. A proximidade com aquilo que é "mítico" e o enfraquecimento da assimetria que nos separa do que era "intocável", resulta em uma desconstrução positiva. E foi por isso que eu passei em Belo Horizonte, ao conhecer Mr. Harry Collins.

Durante meu treinamento na sociologia da ciência e tecnologia, Collins era sempre uma referência presente. Ele ajudou a construir este campo da sociologia e pode, sem dúvida, ser considerado como um de seus principais expoentes. Mas, após uma semana como expectador privilegiado de suas palestras e discussões, construiu-se em mim uma noção de desencantamento positivo. O homem não era mais exatamente um ícone, ou uma figura mítica idealizada acessada através de livros ou discursos alheios. Ainda demandava um certo respeito, é verdade, mas ele era acessível e compreensível.

Foi com este espírito que eu e meu colega Rafael encaramos o mito Collins após sua última palestra, para uma conversa de proximidade nunca antes imaginada. Sim, começamos o diálogo com alguma lisonja e circunstância, mas esta dissipou-se rapidamente. A conversa foi técnica, mas não distante. E até mesmo o deboche, que o prof. Gilberto já havia identificado em nós nos tempos de graduação, se fez presente. Eis uma reprodução aproximada do diálogo:

Collins: "Muito bem... foi um prazer conversar com vocês. E vocês podem me escrever por e-mail, com perguntas... vamos manter contato."

Eu: "Claro, claro... você tem um cartão, Mr.... como é mesmo o seu nome?"

Collins: "Hahaha... Essa foi boa... ah, eu não tenho cartão. Entre no Google e digite meu nome..."

E assim, em poucos dias, passei de um adorador um tanto submisso para um neófito fanfarrão! É óbvio que minha posição de novato me permite uma margem de manobra e o anonimato suficientes para passar incólume por esta deliciosa ousadia. Mas a conclusão é de que realmente operou-se naquele instante uma imprevistas iconoclastia, em um sentido positivo. Por estar mais próximo do núcleo duro da área e especialmente por não temê-lo, tenho a impressão que estou no caminho certo e que os esforços empreendidos em minha jornada acadêmica estão me levando para algum lugar...

Posfácio:

Na sexta, após a viagem de volta de BH, um feliz acidente histórico, conjugado com o destemor típico dos novatos, me apresentou a oportunidade de conhecer outro grande nome da área da sociologia da ciência e tecnologia, mounsier Michel Callon. Durante um seminário aqui no DPCT, descobrimos que uma pesquisadora irá realizar, por ocasião de um evento internacional, uma entrevista com Callon. De fato, ela seria acompanhada por outra pesquisadora que, para nossa sorte, não poderá participar. Ao final da palestra, quando o Rafael fez uma pergunta ligeiramente elaborada sobre o assunto em questão (Callon e seus trabalhos), a palestrante enxergou uma possibilidade de substituir sua colega ausente. Bastou então a audácia de nos voluntariarmos para a tarefa, que consistirá da entrevista e uma posterior publicação do resultado em alguma revista da área.

Agora falta dar o salto: deixar de ser turista acadêmico está se tornando uma realidade estranhamente próxima...

Um comentário:

O FURBservador disse...

Meu amigo,

já tens um cartão?

Grande abraço e te aguardo pra pescaria.

Tulio