quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Wandering thoughts

1. um texto acadêmico faz parte de um gênero literário distinto, com características próprias; alguns critérios devem ser respeitados para caracterizá-lo como tal;

2. este texto pode ter maior ou menor apego ao cânone existente, mas não pode negá-lo; sua aceitação e filiação ao meio acadêmico é dependente desta associação;

3. o estilo de textos acadêmicos variam de acordo com a disciplina com a qual está associado;

4. textos sociológicos, portanto, são diferentes de textos antropológicos, apesar das disciplinas serem relacionadas;

5. um grande dilema para o escritor acadêmico é ser relevante, interessante e criativo, ainda que respeitando as formas e o conjunto literário existente anteriormente;

6. ao menos nas ciências sociais, pesquisadores estabelecidos podem subverter parcialmente estas regras; sua escrita é menos formal e adaptada;

7. "neófitos" devem se ater às normas e etiqueta do texto acadêmico, caso contrário não receberam o reconhecimento dos pares;

8. os dois enunciados anteriores contrariam uma possível interpretação kuhniana de que as contribuições inovadoras são realizadas, em sua maioria, por neófitos;

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Segunda-feira é um dia...

...para acompanhar um rito de passagem (acadêmico).

De mestrando à mestre, em poucos minutos, em pompa e circunstância.

E cada um fazendo a sua parte.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

terça-feira, 30 de junho de 2009

Mudanças...

Muitas coisas aconteceram comigo nos últimos tempos. Em primeiro lugar, temos a mudança: da casa assombrada pela lembrança do assalto para um apartamento ajeitado em um bairro classe média de Campinas. Minha antiga rotina é coisa do passado, e ainda não tive tempo de estabelecer uma nova.

O que me causa maior espanto, num primeiro momento, é a descoberto de uma Campinas que é diferente daquilo tudo que conheci até agora. Se antes a cidade se resumia ao dilapidado e pichado centro e ao paradoxal provincianismo cosmopolita-estudantil (!) de Barão Geraldo, agora descobri uma nova faceta da cidade. O bairro onde moro agora, o Cambuí, é repleto de opções de lazer e gastronômicas e de pessoas bem-humoradas e atenciosas. Chega a ser impressionante. Estou encantado com a simpatia dos garçons, a atenção do barbeiro e o fiado que aplicamos na loja de equipamentos elétricos.

Em breve, depois de ter morado ali por um tempo, vou ser capaz de passar um relato menos deslumbrado. Por hora, fico contente com a bem-vinda sensação de segurança do condomínio, e com a alegria de ter saído um pouco do mundinho meio distorcido do condado - o distrito de Barão Geraldo, com seus alunos, professores e estranhas distâncias sociais.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Direto de PoA...

...e antes que eu esqueça, alguns "gauchismos":


Batida (bebida), não tem álcool. É vitamina de frutas.

Taça pode ser uma xícara.

Bauru é um lanche parrudo, com carne e ovo, e não aquela mixaria de queijo, presunto e tomate.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Momento "Zé-Graça"

Enquanto as novelas de Manoel Carlos normalmente se dedicam aos dilemas da classe média carioca, Glória Perez produz textos baseados em uma concepção ousada de geografia e cultura - é quase como uma National Geographic distorcida. A fórmula é conhecida: ciganos (Explode Coração), a Turquia e a clonagem (O Clone), imigração ilegal (América). Agora, a autora aponta para a Índia, com a novela que ganha o prêmio de referência histórica mais infame da televisão brasileira - Caminho das Índias. Nada como culturas exóticas sendo adaptadas para os padrões globais de dramaturgia, né?

Ok, são apenas novelas, e eu não quero fazer uma crítica áspera à produção cultural da televisão brasileira. Pelo contrário, quero fazer uma sugestão à autora... que tal procurar novos lugares e culturas exóticos para serem pasteurizados e avacalhados no horário das oito? Aí vão algumas sugestões para novas novelas:

(entra a narração off típica da Globo)


Vem aí... Ponte da Amizade, a nova novela das oito!

Juan Martinez (Thiago Lacerda) é um jovem paraguaio ambicioso, que herdou de seu tio (Tarcísio Meira) o comércio de cigarros falsificados em Ciudad del Este. Após uma noite de problemas com a Polícia Federal brasileira, ele conhece Pedro Almeida (Fábio Assunção), um brasileiro de Foz de Iguaçu, que está no Paraguai procurando por sua irmã desaparecida, Antonieta (Débora Secco). Ela foi enganada por promessas de vida fácil nos charcos paraguaios, e agora é refém de Pablo (Nuno Leal Maia), um peruano que vivia na Bolívia e muitas coisas trazia de lá. Juan e Pedro irão se aventurar no submundo paraguaio, procurando a jovem desaparecida, e provando o verdadeiro valor da amizade!

Participação especial de Antônio Fagundes e Stênio Garcia, como Pietro e Biño, dois caminhoneiros paraguaios que se metem em muitas ciladas!

De Glória Perez, Ponte da Amizade, a nova novela das oito!

(sobe a trilha sonora, tocando uma guarânia)

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Vem aí... Guantânamo, a nova novela das oito!

Hussef (Wagner Moura) é um jovem descendente de afegões, condenado injustamente pelo governo americano. Ele consegue escapar de seus algozes norte-americanos com a a ajuda de Concepción (Priscila do BBB, em sua estréia em novelas), uma pobre, mas honrada, trabalhadora cubana das plantações de cana de açúcar. Logo, o pobre americano-afegão descobre o valor da simplicidade e do amor, ao apaixonar-se por Concepción e conhecer seus pais, Carlos (José Mayer) e Maricota (Suzana Vieira) e seus irmãos, Pancho (qualquer ator adolescente da Malhação) e Maria Joaquinha (qualquer atriz mirim da Globo). Tudo parecia ir bem, até que um espião do exército americano, Thomas Suaréz (aquele cara que parece o Tom Hanks) chega à Guantânamo, para caçá-lo!

Participação especial de Carlos César Pereio, como Alejandro Casillas, o ditador cubano, e Cristiane Torloni como Louise Veronica, a corrupta embaixadora brasileira em Cuba.

De Glória Perez, Guantânamo, a nova novela das oito!

(sobe a trilha sonora, tocando uma salsa)


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Vem aí... Sete tons de branco, a nova novela das oito!

Stênio Garcia é Bin... digo, é Nunook, um esquimó Inuit. Último sobrevivente de um desastre ecológico no norte do Alasca, Nunook procura se adaptar à vida dos brancos em Anchorage. Para isso, ele conta com a ajuda de Veronica Fish (Vera Fischer) e Thom Bear (Tony Ramos), dois simpáticos e atrapalhados comerciantes de peixe e traficantes de óleo de baleia, que vivem em pé de guerra. Sua problemática filha adolescente, Moonshine (Marjorie Estiano) é o elo de ligação do simples Nunook com o mundo dos brancos. Ela irá descobrir o amor quando o sobrinho desaparecido de Nunook, o jovem Dunook (Cauã Reymond) reaparece misteriosamente. Mas esta paixão será atrapalhado por Gabriel, o rico estudante de intercâmbio brasileiro (aquele guri que fez o Cazuza), herdeiro da rica família Cavalcante (quaisquer atores que façam papel de ricaços na Globo...).

De Glória Perez, Sete Tons de Branco, a nova novela das oito!

(sobe a trilha sonora, tocando... ah, sei lá...)

Em breve, mudança!

Na sexta-feira (dia 19) vou deixar a casa ainda tomada pelas lembranças do assalto, para ir morar em um apartamento, em um bairro mais central da cidade. Em breve, comentários sobre a mudança...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Para que conste nos registros...

Depois do assalto, os moradores daqui da casa passaram a se empenhar, conjuntamente, na procura de um novo lar - preferencialmente um apartamento. As opções são muitas, e existem apês de todos os tipos: com piscina, salão de festas, academia, espaço gourmet, novos, velhos, grandes e alguns do tamanho de latas de sardinha...

De qualquer maneira, será que dá para acreditar que depois de uma visita a um desses condomínios, testemunhamos (minutos após o ocorrido) um jovem morador choroso relatar que havia sido assaltado, ali na frente do prédio?

Detesto concordar com o populacho e com o jornalismo marrom, mas... A coisa tá feia!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

"Tomorrow will be the most beautiful day in Raymond K. Hessel's life"

E agora? A violência urbana me atingiu, me pegou pelos cabelos, me chacoalhou, me jogou no chão e me deixou feito um cachorro tonto. O que fazer? O que pensar? De quem é a culpa?

1.

Na última terça, minha casa aqui em Campinas foi invadida por um grupo de indivíduos armados, que renderam a todos, nos trancaram no banheiro, reviraram nossos quartos e nos subtraíram dos objetos mais caros e de algumas coisas com valor sentimental. Em quinze minutos, levaram as coisas que demoramos meses (anos?) para acumular. Mais do que isso, deixaram um certo trauma de ser acossado dentro do próprio ambiente doméstico. Fiquei sob a mira de pistola na minha cozinha e no meu banheiro... é possível habitar estes cômodos sem a eterna recorrência mental da situação? O sentido de segurança provido pelos muros, portas, trancas, grades e paredes da casa é possível de ser restaurado?

2.

A primeira, natural e esperada reação (depois do susto, é claro) é a revolta. Depois, vem a busca pela motivação, pela racionalidade, pela lógica de tudo aquilo que aconteceu. Frequentemente, tudo isso se mistura e somos levados a acreditar em respostas fáceis e rápidas. O outro é uma ameaça, logo não é merecedor de ser chamado de "humano" - torna-se uma força da natureza, um desastre que se abate sobre os incautos, um problema a ser resolvido. Uma entidade a ser combatida.

Não digo que esqueci o que me fizeram: ainda dói, ainda incomoda. Não desejo que ninguém passe pela experiência que passei. Mas se a civilidade e a humanidade são qualidades que faltaram em meus agressores, não vejo motivo para purgá-la voluntariamente da minha psiquê. Mais do que isso: qualquer coisa que aconteça de ruim com meus agressores somente servirá para arregimentar novos pobres coitados para dentro do ciclo de violência deste pobre país de terceiro mundo.

3.

Para mim, cognitivamente falando, os assaltantes são apenas isso. Assaltantes. Me escapam as verdadeiras motivações, histórias de vida, problemas, alegrias e eventuais possíveis qualidades humanas. Inversamente, o que somos nós para os assaltantes, neste caso específico? Se para mim, eles encaixam no estereótipo do agressor, para eles nós somos a imagem da exclusão e da injustiça social. Eles jamais vão saber que tive que merecer dolorosamente o salário de bancário que usei para comprar o meu computador. Eles jamais vão saber que não ganho mesada de mamãe e papai. Fui simplificado (sim, injustamente) à condição de um estudante de classe média alta, que faz faculdade, que tem confortos domésticos, boas roupas, estabilidade. Uma vida de comercial de margarina que lhes foi negada a priori. Eu vivo uma vida, e tenho acesso aos bens cobiçados da nossa sociedade, que eles (sem trocadilhos) vivenciam e consomem apenas marginalmente. Por força, por roubo, por agressão. Por vias tortas.

4.

Para citar a sabedoria popular, "o buraco é mais embaixo". Sim, eu gostaria que os responsáveis fossem encontrados e punidos de acordo com os rigores da lei, esta lei que tacitamente aceitamos ao viver em uma sociedade ocidental democrática. Somos, sim, dotados de capacidade de auto-determinação, mas também somos forçados pelos rigores do ambiente onde nascemos e crescemos. Esperar que todas as pessoas que só vivenciaram ódio, carência, ignorância e violência consigam extrapolar esta origem e se tornem exemplos de conduta é ingenuidade. O mundo não é só flores. E muitas, muitas e muitas vezes os "cidadãos de bem" são tão doentes, vis e distorcidos quanto estes pobres coitados drogrados e analfabetos que servem de bucha de canhão para os barões da droga ou que não compreendem o mundo em que eu vivo.

A vizinhança onde moro é patrulhada por um serviço de vigilância privada. A própria noção deste serviço é uma afronta filosófica: na prática, privatiza-se a rua (o espaço público "por excelência"), e transfere-se voluntariamente e mediante pagamento, uma obrigação do Estado para grupos privados, cuja a idoneidade é altamente questionável. Na prática, do ponto de vista do "consumidor" do serviço, transfere-se o risco desigualmente: os que não podem pagar, devem arcar sozinhos com os problemas sociais do país? De que maneira, além da lógica especificamente mercantil, isto pode ser moralmente válido? E por parte da empresa de segurança? Quem lhes atribuiu o direito de proteger alguns, enquanto ignoram os problemas de outros?

5.

Em um mundo ideal, estas questões não seriam sequer necessárias. Mas o mundo onde vivemos é triste, "desfuncional", injusto e caótico. Lamento por ter sido ameaçado com uma arma de fogo, e lamento ter perdido muito do pouco que eu tinha. Não me voluntario para ser alvo da violência e nem para entregar as coisas que me custaram tempo e esforço para obter. Mas me recuso a acreditar que ódio e violência sejam respostas válidas para o problema. Não quero pena de morte e não quero redução da idade penal. Não quero voltar para os tempos antigos, do "olho por olho, dente por dente". Gandhi já nos alertou que, se formos por este caminho, ficaremos todos cegos (e, se me permitem o adendo, todos banguelas!).

E, vivendo neste mundo cão, não preciso nem ao menos me dar ao trabalho de procurar minha vingança ativamente. Sociólogos, estatísticos e assistentes sociais já deixaram muito claro que a vida das pessoas que estão envolvidas com o crime organizado é curta. Em breve, ou tomam tiro, ou morrem de alguma doença repugnante, ou caem na cadeia e morrem esfaqueados... a lista de possibilidades é imensa. E é triste: existências curtas, com um sentido vazio, imediato, bruto.

O que fizeram comigo não pode ser reparado, é verdade. Me sinto privilegiado por ter passado por isso e ainda assim estar vivo. Mas me recuso a prolongar a intolerância, o preconceito e, principalmente, o medo e a falta de esperança na raça humana. Por enquanto, faço o que posso fazer para me prevenir: ainda vou ser um refém de tudo isso, da paranóia, da desconfiança. No fim, se eu não conseguir, me mudo para o meio do mato, viro ermitão.

Mas, sinceramente, prefiro acreditar que ainda tudo isso tenha um fim. Prefiro pensar que meus agressores são tão vítimas quanto eu, e desejo que meus preconceitos não sejam potencializados pela violência que passei. Eu quero viver em um mundo bom, algum dia. E desejo isso para todos.

Ainda abalado, mas sempre otimista.

mrs

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Cimento no chão

Pessoas de lugares diferentes comportam-se de maneiras diferentes, vivenciam culturas diferentes. Isso se manifesta na fala, nas vestimentas, na alimentação, etc, etc. Seguindo o raciocínio, posso afirmar que também a concepção de "moradia" e os métodos de construção civil devem ser diferentes.

Aqui em Barão Geraldo é comum notar "manchas" de cimento, sobre o asfalto, na frente das casas. Demorou um tempo até eu notar o motivo da existência daquelas manchas: os pedreiros, quando envolvidos na reforma ou construção de uma casa, preparam a mistura de areia e cimento ali, na frente da casa e sobre o asfalto. Terminada a obra, vão-se os pedreiros e ficam as marcas de cimento.

Para quem é acostumado com a "construção civil" na região do Vale do Itajaí sabe que os pedreiros invariavelmente utilizam-se de uma espécie de caixote de madeira, onde é feita a mistura do traço. A reação imposta pelo etnocentrismo me diz que esta é uma solução muito melhor para o problema da preparação do cimento, pois afinal, tem um impacto menor no ambiente próximo à construção, e não causa uma estranha disfunção estética de ruas maculadas pelo cimento.

Mas a minha preferência/bairrismo me diz pouco sobre este "estilo tecnológico" da construção civil campineira. Por qual motivo, enfim, não se usa um caixote de madeira para preparar/armazenar o cimento? Provavelmente, jamais saberei os motivos verdadeiros dos pedreiros de Barão Geraldo. Uma concepção diferente sobre o espaço público da rua? Uma menor distinção entre as categorias materiais envolvidas - cimento, asfalto, paralelepípedo? Uma cultura profissional, que transfere-se de mestre pedreiro para aprendiz? Ou apenas um detalhe que não necessita/não terá explicação alguma, nunca?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Knights of Cydonia

(...)
Come ride with me,
Through the veins of history,
I'll show you a god
Who falls asleep on the job.


Muse, Knights of Cydonia - Black Holes and Revelations (2006)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Zzzzz...

Zzzz.... Zzzzz...

(sou um blog adormecido)

domingo, 29 de março de 2009

After years of waiting... (3)

Demorou algum tempo para processar a experiência de ter assistido ao show do Radiohead. Os efeitos das expectativas, dos anos de espera e o sentimento de que realmente o Radiohead é a "última banda que vale a pena" produziriam um relato apaixonado, mas também totalmente imparcial. Hoje (uma semana depois) já me sinto um pouco mais apto para escrever a respeito.

Havia um tempo em que eu não suportava a banda de Thom Yorke & Cia. Por desconhecimento, achava que tudo que eles produziam era lamentação vã, chorosa e adolescente. Creep era um tormento e Fake Plastic Trees era uma tortura. Era como se eles fossem uns proto-emos, falsamente atormentados e imensamente pretensiosos. E essa impressão persistiu durante muito tempo, até o dia em que esbarrei em um CD-R que além das supracitadas canções, trazia duas pérolas renegadas: Karma Police e No Surprises - ambas provenientes do fantástico lote de canções do disco OK Computer.

No Surprises, em especial, transmitia um sentimento de inabilidade social e deslocamento que soava genuíno e curiosamente singelo. Saíam as guitarras e entravam glokenspiels, saía a gritaria e entrava um desespero um tanto conformista. E era lindo de doer. Para mim, indeciso entre ser bancário ou não, entre me adaptar ou não, entra a adolescência e a vida adulta, aquilo era o que eu precisava ouvir. Thom Yorke foi, de certo modo, o mais próximo que tive de um analista.

No entanto, o OK Computer era mais do que aquilo. Até hoje, não há uma música dele que eu não considere primorosa em diversos aspectos, na forma e no conteúdo. Se as letras falavam da alienação e mazelas do fin de siècle, a produção e a sonoridade já apontavam para o século 21. Basta ouvir Airbag, no fone de ouvido e em alto e bom som, para entender do que eu falo. Era rock, sem ser roqueiro no sentido estrito. As guitarras ainda pegavam pesado (ouça a "épica" Paranoid Android), mas o eletronismo e a experimentação eram as linhas condutoras da obra. Sim, obra. Como em obra de arte.

A comparação com o rock progressivo veio logo, e tão rapidamente quanto surgiu foi refutada pela banda. De fato, art rock parece ser um termo mais apropriado - não para uma obra específica da banda, mas pelo conjunto de sua produção. Curiosamente, a banda ganhava as manchetes e os louros da fama, mas ficava cada vez mais atormentada por isso: o documentário Meeting People is Easy, sobre a turnê do disco OK Computer, é o retrato do lado negro da fama de rockstar. Fala sobre a inexistência de privacidade, a incapacidade de corresponder à expectativas, sobre a histeria e, sobretudo, sobre o estado deplorável da banda na época.

Algum tempo depois, a banda pariu (no sentido mais doloroso do termo) o esquisitíssimo Kid A. Sem guitarras, sem refrões, minimalista, eletrônico e quase asséptico. Era como um suicídio comercial e o adeus ao mundo do rock. De fato, vendeu como água, mas era estranho, incômodo, bizarro. Nunca vou esquecer do dia em que, hipnotizado pelo disco, tentei convencer um amigo da beleza daquilo, do soco no estômago que era Everything in its Right Place. Como diria Yorke: "I'd tell all my friends but they never believe me/They'd think that I've finally lost it completely".

Para mim não importava. O Radiohead apontou uma nova direção para mim. E eu cheguei a acreditar que o rock estava morto e enterrado. O futuro pertencia ao Radiohead, e a partir dali Sigur Rós e similares passaram a habitar meu playlist. Felizmente, tanto eu quanto o meu amigo, estávamos errados. O Kid A era absurdamente inovador e, não!, o rock como conhecemos não era ainda algo dispensável. Por muito tempo, fiquei imaginando como seria testemunhar o cruzamento do show de rock com o experimentalismo do Radiohead, para juntar o melhor de dois mundos.

E essa foi a minha digressão praticamente instantânea, ao perceber que eu estava prester a observar um fenômeno tão raro quanto um disco voador pousando, ou um Deus baixando na Terra. Ali estava o Radiohead. A poucos metros, em carne e osso. Ao vivo, sem a barreira e a produção dos vídeos que eu via pela internet. Assim, quando 15 Step começou a ser executada pelos músicos percebi que eu testemunharia algo único - o show da minha banda favorita e a superação de uma idolatria baseada em meios de comunicação. Eu consumiria o Radiohead sem intermediários.

O preço do ingresso valeu cada centavo. Show de rock atípico, havia momentos em que um silêncio de 35 mil pessoas causava um espanto. Houve, é claro, o tradicional "singalong", mas foi espantoso ver como aqueles ingleses desengonçados construíam ali, diante de meus olhos incrédulos, paisagens musicais impecáveis. Arte-rock, sem dúvida. E pensar que eu cheguei a pensar que os shows de rock não valiam mais porra nenhuma...

O Los Hermanos da abertura apequenou-se, é claro. E até que gosto deles. Mesmo o Kraftwerk - praticamente os criadores da música eletrônica pop - com sua excentricidade robótica, serviu de coadjuvante de luxo. Detesto a tietagem histérica, mas, para mim, a noite era do Radiohead, e eu observei meio catatônico cada segundo da catarse coletiva. Saí de lá com um sorriso que deve ter durado horas e com lembranças muito, muito boas - porque confirmei minha suspeita de que o rock ainda pode ser algo relevante.

(e pensar que eu não gostava da banda)

http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL1054962-7085,00.html
http://www.omelete.com.br/musi/100018773/Radiohead_no_Just_a_Fest.aspx
http://musica.uol.com.br/ultnot/2009/03/23/ult89u10438.jhtm
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/03/23/e230325758.asp

sexta-feira, 20 de março de 2009

After years of waiting... (2)

Domingo. Radiohead.





"i'm aaaaaliiiiveeeeeeeeeeee"

sexta-feira, 6 de março de 2009

irritado (sem motivo aparente)

Acho que tenho um pragmatismo de classe operária. E acho que isso nunca vai me abandonar. Ao observar as pessoas felizes-e-brilhantes da Universidade, fico com uma certa impressão de que sou uma anomalia. A maior parte vive dramas que nem de longe me comovem ou sensibilizam. São problemas que me parecem microscópicos, banais e platônicos. Sim, problemas que habitam um mundo de conjecturas, planos e desdobramentos que tem pouca correlação com as contingências da vida real.

Quase sempre fui um white collar, é verdade. Uns tantos anos no "dinâmico" ramo da informática e mais uns oito trabalhando em um banco. Mas também tive meus momentos chão-de-fábrica. Já soldei, cortei, pintei, montei cercas & portões. Também cortei tecido, separei botões, varri chão de malharia. Confesso: nunca fiz isso para viver - eu quebrava um galho aqui e ali. No entanto, minha família (ou seja, meu blueprint para o mundo) sempre foi - salvo uma curta estadia na classe média - uma família de trabalhadores pouco especializados, mas pragmáticos. Tive uma infância relativamente boa em termos materiais, mas também já tive que comer pão seco e testemunhar minha mãe acordar diariamente às quatro, para "pegar" no primeiro turno.

Sou alfabetizado, formado e deformado pela escola pública. Tive que pagar minha faculdade vendendo uma boa parte dos meus melhores anos. Nunca tive padrinho, mecenas, patrono. Gosto do Bukowski, e me aborreço facilmente com quase tudo que pareça um pouco mais afetado. E assim vou medindo também as pessoas. É um pouco duro, é verdade, e pode ser injusto com alguns. Mas convenhamos: a inteligentzia se esconde em alguma coisa que parece uma torre de marfim, mas que quase sempre parece um castelo de areia. É fácil ser intelectual de buteco, com papai pagando as contas e mamãe lavando as roupas. Os dilemas de uma vida mais mundana são mais contundentes que a filosofia pela filosofia.

Isso não quer dizer que as pessoas não tenham seus méritos, qualidades e peculiaridades. Não significa que tenho um intenso ódio contra a máquina. Sou pragmático, e um pouco insensível com certas sensibilidades. Só isso. Tem dias em que acho que enxergo o mundo através de lentes cinzas, opacas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Nomes para uma banda... (parte II)

Grounded Exercise
Ciclo Otto
Britney's Wig
Eu Não Suporto Renato Russo
To Eat Their Bacon
Budistas Facistas
Sous Jeune et Tais Toi
Maiô de 68

quarta-feira, 4 de março de 2009

Se algum dia eu tiver uma banda...

...gostaria que ela se chamasse:

Dança de São Vito (ou, em inglês, St. Vitus Dance)
Monsters Away
Filhas de Karl Marx (é só um nome, não precisa ter conotoção política)
South of Heaven
Daffy Duck's Shotgun (possível violação de copyright)
Bukowski Syndrome
Insane in the Mainframe
Symbionese Liberation Army
Luz Vermelha
(...)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

The Bends

Por volta do final de 1994, o Radiohead era uma banda encurralada entre o sucesso de Creep (o single de 1992) e as expectativas dos milhares de órfãos de Kurt Cobain, que procuravam o próximo rock star atormentado para ser adorado; Creep era um bom single - quem não se lembra dos golpes de distorção desferidos por Jonny Greenwood? - mas não era suficientemente inovador para escapar de sua própria aura pop/grunge e livrar a banda do rótulo de "one hit wonder"; sobretudo, seu sucesso ofuscava todo o resto da produção da banda, como o irregular (mas promissor) disco Pablo Honey (onde, talvez, You seja um ponto alto, acompanhado por Anyone Can Play Guitar).

Da suposta insatisfação da banda com o showbizz e da mente criativa de seus membros, surgiu uma saída. Quase como uma declaração de princípios ou panfleto, o single My Iron Lung representava, simultaneamente, uma auto-crítica um tanto irônica e um avanço estético sem precedentes para a banda. Quando Thom Yorke canta "this is our new song/just like the last one/a total waste of time/my iron lung" está se referindo ao sucesso anterior de maneira um tanto cifrada, um tanto ambígua, relacionando o hit com os equipamentos de respiração artificial dos hospitais (o iron lung do título e da letra) - um apoio, mas ao mesmo tempo, uma restrição. Se as letras da música começam a demonstrar aquele tipo de insatisfação que se tornaria marca registrada de Yorke, a execução era arrebatadora. Gravada ao vivo, no London Astoria, foi lançada daquele modo visceral, urgente, fascinante e impecável! Somente o vocal foi regravado posteriormente em estúdio. Temos ali, uma grande banda (com três guitarristas esmirilhando seus instrumentos sem dó, uma cozinha coesa), uma composição que faz o Pablo Honey parecer coisa de criança pequena e uma letra genial. Estava dado o primeiro passo para escapar da sombra de Creep e de Cobain.

Meses depois, a banda lançou seu segundo LP, chamado The Bends. Melancólico em essência, mas pontuado por rocks competentes, era uma evolução natural - tudo fluía naturalmente do pueril Pablo Honey em direção ao terreno cerebral consagrado posteriormente em OK Computer. No Brasil, a música Fake Plastic Trees ficou conhecida por ter sido utilizada em um comercial de televisão. É uma boa (e tristonha) balada, mas não reflete o conteúdo total do disco. Planet Telex, a primeira canção do disco, investe em um leve experimentalismo, com teclados etéreos e timbres de guitarras carregados de eco se misturando, enquanto Yorke afirma que "tudo está quebrado". Mas, de fato, nem tudo está quebrado. The Bends vêm em seguida, mantendo o bom nível do disco e mostrando mais coesão do que disfuncionalidade. Para quem gosta do Radiohead guitarreiro, é um prato cheio. Aqui, eles tomam o caminho iniciado em My Iron Lung e o ampliam. 

High and Dry é a primeira balada do disco. É cândida e tenra na execução, mas a letra não é exatamente uma propaganda de margarina. É acompanhada de perto por Fake Plastic Trees, desagradando os roqueiros de carteirinha, mas demonstrando que é possível ser, ao mesmo tempo, singelo e inteligente. Se existe nas letras de Thom Yorke qualquer apelo ao sentimentalismo e ao romantismo, ele normalmente estará associado como uma certa desconfiança, um quê de decepção e de fossa, devidamente interpretadas pelo vocalista. Bones anima o disco, novamente as guitarras alternando entre ecos, efeitos e distorções, guiadas por um baixo bem marcado e citações ao Prozac e Peter Pan. Nice Dream, outra balada carregada no violão, destaca-se pelo vocal choroso de Yorke, cordas e backing vocals bem arranjados e vai crescendo para dar lugar à genialidade dos guitarristas Ed O´Brien e Jonny Greenwood. 

O que vem depois? Duas porradas! Just (não perca o enigmático clipe) alterna de humor e leva o ouvinte para uma digressão sobre o egoísmo humano. Greenwood novamente se sobressai e arranca um solo estiloso, calcado em efeitos, que faria Tom Morello ficar invejoso. Em seguida, a nunca-por-demais-citada My Iron Lung, encerra a primeira metade do disco, indicando o cardápio variado que os ingleses tem para oferecer: da depressão à paranóia, com uma parada no sarcasmo e desprezo. 

O clima na segunda metade do disco vai ficando mais soturno. A seqüência estabelecida com Bullet Proof (I Wish I Was), Black Star e Sulk é uma trilha perfeita para uma dor de cotovelo e para os momentos mais introspectivos. Talvez o Radiohead tenha ficado marcado por muito tempo (e com razão) por esta faceta de sua produção musical, mas é preciso ressaltar que eles estabeleceram, para o bem ou para o mal, um filão adotado por bandas como Travis, Coldplay e Muse. A grande diferença a favor do Radiohead é o ineditismo e a produção pouco afeita às convenções do pop. E a conclusão é pode ser tirada a partir exatamente da última música do disco, Street Spirit, linda de doer, original e executada com apuro - dotada de um clima soturno, mas ainda apontando para algo mais. No caso da banda, esse algo mais viria dois anos depois com o impecável OK Computer.





Mas isso fica para outra hora...


sábado, 24 de janeiro de 2009

A Reforma

A Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa está aí, mas ainda não me conquistou. Depois de anos de esforço para escrever (razoavelmente) bem, me sinto um pouco ignorante e apalermado, como se tivesse regredido um tanto na minha educação. Com o perdão da insistência, mas a simples idéia de escrever ideia sem acentuação me parece pouco natural.

Não considero que as línguas devam ser entidades monolíticas e blindadas. Como outros aspectos da cultura humana, mudam, adaptam-se, incluem e suprimem elementos, sofrem com o uso por pessoas e grupos diferentes, em contextos diferentes. É compreensível. Mas, convenhamos, esta reforma parece ser uma modificação inofensiva, mas também preguiçosa e inútil. Tenho a impressão de que suprimimos muitas coisas que dão uma personalidade específica ao Português.

Por enquanto, serei voluntariamente anacrônico. Minhas idéias (paroxítonas com ditongo aberto "ei") continuam com a acentuação.

http://pessoas.hsw.uol.com.br/reforma-ortografica.htm
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u321373.shtml

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

"long time, no see"

A melhor maneira de escrever um blog é preguiçosamente: se todo mundo pode ter um blog, não é privilégio; se quase todo mundo escreve sem remuneração, não é trabalho; e se todo mundo pode ler, é melhor que o texto valha a pena. Qualquer sentido de urgência é uma besteira, é produção de lixo informacional que se acumula e vai parar só-deus-sabe-onde, e é quase um exercício de narcisismo.

Minhas férias foram muito boas, obrigado. Prova disso é o abandono do blog. Vou atualizando isto aqui assim, preguiçoso. Quando sinto vontade e quando acho que tenho algo interessante para dizer. Se as duas condições não ocorrem, simultâneas, a coisa toda vai sendo adiada e postergada...

até breve!