quarta-feira, 2 de abril de 2008

Algumas pontas soltas?

Vou começar propondo uma divagação: o que caracteriza nossa vida, nestes tempos atuais? Até onde podemos imaginar, o homem medieval pautava sua rotina pelos tempos da natureza - as estações, os ciclos dos dias e noites, o calendário das festas religiosas. Na Revolução Industrial, ocorreu a submissão aos tempos das fábricas e das máquinas. Horários rígidos, cronometragem, a segregação do espaço do trabalho do espaço da vida privada. E hoje? Quais os ciclos que seguimos? Qual a distinção que fazemos entre público e o privado?

Nossa corporeidade já não importa tanto, eu creio. Com a sofisticação das telecomunicações, da internet e da representação gráfica computacional, somos capazes de modificar a realidade - trabalhar, socializar, exercer nossa afetividade, deixar rastros históricos - sem estarmos necessariamente vinculados a um espaço físico. Nosso self tornou-se móvel e nossas atividades cada vez menos físicas, em um sentido estrito. A pessoa que deixou este "rastro" digital é tão real quanto aquela que conversa em uma mesa de bar. A diferença é que minhas idéias potencialmente podem atingir o mundo todo, sem o deslocamento da minha cansada carcaça.

Por outro lado, nossos tempos e ciclos também mudaram. O ideal de tempos regulados das fábricas e escolas de algumas décadas atrás foi expandido para um conceito de, digamos, "tempo real". A evolução do processo industrial (automação), o progresso do processamento computacional e o fenômeno da decadência da corporeidade nos forçaram a viver em um tempo útil contínuo. Se não preciso mais estar presente fisicamente em um escritório ou em uma biblioteca para realizar uma atividade e se não preciso mais aguardar dias para uma comunicação chegar ao seu destino, tudo acontece ao mesmo tempo agora.

O homem medieval se submetia aos tempos da Natureza. O homem industrial aos tempos da Fábrica. E nós, homens e mulheres do século XXI, estamos submetidos ao tempo real: para alguns, o trabalho, o aprendizado, o lazer, a afetividade e o descanço acontecem simultâneamente, diante de um computador, de uma televisão ou com um telefone celular. Respondemos ao e-mail de nossos namorados e namoradas, falamos com alguém ao telefone, assistimos aos vídeos cômicos do YouTube, nos colocamos a ler textos de autores que publicaram um artigo científico do outro lado do mundo, negociamos nossa posição profissional através do MSN e massacramos inimigos virtuais em jogos on-line. Tudo isso quase simultâneamente e em qualquer lugar que propicie uma infra-estrutura básica de acesso à internet e rede elétrica.

Aqueles que estão submetidos a esta configuração social (e não são todas as pessoas do mundo que o são) organizam a vida em torno da perspectiva de conclusão das atividades, em função do processamento. É um pouco como a lógica informacional: temos uma fila de tarefas, ordenadas por sua entrada em nossa agenda e reordenadas de acordo com suas prioridades. Também podemos processar nossas atividades paralelamente: enquanto escrevo este texto, posso verificar meus e-mails, falar ao telefone, baixar músicas na internet. E algumas atividades, por terem baixa prioridade, vão ficando relegadas aos momentos menos concorridos de nosso tempo diário. Criamos, por necessidade de conviver com esta realidade, um monstro chamado "gerenciamento do tempo".

Ainda não escrevi sobre o Vale. Ainda não escrevi sobre as estradas paulistas e paranaenses. Ainda não escrevi sobre as vagas de idosos no estacionamento do shopping. Ainda não consegui terminar meu artigo. Estas são minhas "pontas soltas", estes são os itens pendentes de minha agenda. Em respeito a eles, escrevi este texto. E, por conta deles, vou ter que reordenar meus tempos mais uma vez.

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