quinta-feira, 19 de junho de 2008

Sticking feathers up your butt does not make you a chicken.

O tempo disponível para este espaço anda um pouco diminuído. Final de semestre é sempre assim, seja na graduação, seja no mestrado. Uma grande quantidade de trabalhos e provas alocados estupidamente em um período de tempo diminuído. Porém, creio que o direito de reclamar, criticar e lamentar já não devem ser considerados com muito fervor. Ao decidir pela vida acadêmica, assinei um contrato com o invisível Mefistófeles institucional. Meu bom senso me impede de reclamar: este parágrafo é mais um aviso do que um libelo contra os tempos modernos.

Por outro lado, acho que ainda tenho o direito e as possibilidades de emitir uma crítica aqui, um lamento ali, uma reclamação acolá. Afinal, todo mundo que se julga articulado, politizado e inteligente sempre tem algo a dizer. Ou melhor: todo mundo que se julga articulado, politizado e inteligente tem sempre alguma coisa a dizer sobre determinados assuntos, uma gama limitada de assuntos. Deve haver um bom motivo para que dificilmente as pessoas discutam Física Quântica em um boteco. O discurso do físico e o saber-fazer inerente ao seu ofício demandam anos de preparação, estudo e atividades práticas. Trata-se de um discurso relativamente hermético - de iniciados para iniciados apenas. As Ciências Duras são assim: ninguém pode manipular, discutir, subverter ou criticar a Física a não ser a partir de seu interior. Ao grande contingente populacional exógeno à atividade científica dura resta pouco, muito pouco. Somos espectadores.

Se a compreensão do mundo natural é algo para iniciados, é difícil e normalmente excludente, os cientistas naturais passam a ser considerados como porta-vozes legítimos da natureza. Seu discurso tem um alto poder de verdade e para questioná-los é necessário um empreendimento hercúleo. Reproduzir experimentos, revisar bibliografias e reconstruir premissas é empreitada para poucos - muitas vezes é obra para uma vida inteira.

As Ciências Humanas, porém, sofrem do mal inverso. Os fenômenos do mundo social, ainda que tão intangíveis quanto elétrons, estão muito mais sujeitos à intervenção de "leigos". A atividade política confunde-se com a Ciência Política. A prática e a teoria sobrepõe-se indefinidamente. As Ciências Humanas caracterizam-se (e se afirmaram) através do argumento da subjetividade. No mundo social, tudo é aberto e sujeito à interpretações diversas. O discurso é muito mais potente do que a verificação empírica (que, a propósito, é muitas vezes impossível de ser realizada).

Isto propicia o surgimento daquilo que chamo de efeito Mainardi. Um discurso bem articulado é o suficiente para produzir efeitos de verdade. A fanfarronice e a bravata são suficientes para o convencimento. Basta a leitura de uma coluna sobre política, em uma revista de circulação nacional, para que muitas pessoas adotem uma determinada perspectiva, em um movimento de "ciência política involuntária". Estou muito certo que deve haver alguma coisa um tanto disfuncional quando um livro do Mainardi ocupa uma vaga na prateleira de Sociologia de uma livraria...

Não quero desvalorizar o ofício dos jornalistas. Em um Estado Democrático como o Brasil é (podem argumentar em sentido contrário, mas as reformas liberais trouxeram o voto para as mulheres, acabaram com a escravidão, etc, etc), a liberdade de expressão é um elemento importante. Assim como a discordância política. O jornalismo político não deve ser imparcial e não deve ser ameno. Mas, sobretudo, ele não precisa ser condescendente com o Lula ou com o PT. O ponto central de meu argumento não está no que o Mainardi diz, mas no que ele causa.

Em um caso de polêmica envolvendo, digamos, uma teoria da Física Quântica, um físico de formação será considerado muito mais apto a discutir e argumentar a respeito do que a maioria das pessoas. Eventualmente, ele proporcionará um fechamento considerado como legítimo para a questão. Se a polêmica estiver na esfera política ou "sociológica", a supremacia do método científico desaparece. Anos de estudo (ou adestramento?) em sociologia tornam-se inúteis. Desaparece o esforço do raciocínio sociológico, do levantamento de dados, da construção de argumentos coerentes, e surge o combate ideológico e moral.

Corro o risco de um corporativismo rasteiro, eu sei. Mas me sinto no direito de defender a especificidade e as qualidades do argumento sociológico. Para mim, chega de sociologia de botequim! Chega da amálgama pouco criteriosa de moralismo, ideologia e verificação dos fatos sociais. O Mainardi (a "anta" dos cientistas políticos?) deveria se dar conta do tipo de dano que causa. Ele esconde por detrás de um discurso articulado - logo, com poder de verdade - seus preconceitos com a esquerda, com os nordestinos, com os semi-analfabetos. Sobretudo, esconde em seu discurso os aspectos mais sórdidos da moralidade da classe média brasileira, cada vez mais achatada e comprimida em direção à linha de pobreza. É direito dele, concordo. Mas ele deveria ser mas honesto e expôr claramente o tipo de raciocínio que ele defende.

Para completar o dano causado por Mainardi (e para concluir meu raciocínio), afirmo: sobretudo, ele deveria se dar conta do modus operandi que ele vêm semeando. O efeito Mainardi vem causando um empobrecimento da discussão política e sobre a política. Espalhou-se uma noção maniqueísta de eterna luta de bons contra ruins, do bem contra o mal. Está se impondo uma ilusão de que a política é uma imagem em preto-e-branco, de causalidade única (Fulano é presidente, logo Fulano é responsável pelas mazelas do país. Um processo histórico de exploração? Quem precisa entender disso?) e de descrença exagerada no sistema político.

Mainardis do Brasil, citando Tyler Durden: Sticking feathers up your butt does not make you a chicken ou, em português claro, enfiar penas na sua bunda não vai te tornar uma galinha. Ou ainda, para ser um pouco mais polido, falar verborragicamente sobre a política infelizmente não vai te tornar um bom analista político.

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