sábado, 27 de setembro de 2008

Sobre a pirataria...

File sharing isn't killing music; music's dying of natural causes.

Um Ponto Oito

"Ajoelhei-me ao seu lado
Me disse o atropelado:
Fiquei com a pior parte
De tudo o que é chamado
Civilização"

Um Ponto Oito - Pato Fu

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

"Você deve ser a própria mudança que deseja ver no mundo" (Gandhi)

Normalmente sou contra lições de moral, daquelas que caem para o lado da auto-ajuda. Certo e errado são conceitos extremamente flexíveis e considero que ninguém sério e ponderado pode querer, por vontade própria, ser um modelo de comportamento. O exercício da prescrição moral envolve um ego expansivo e uma percepção falha a respeito das próprias ações. Prefiro não ser assim.

No entanto, diariamente os axiomas morais nos atingem como um soco no estômago: "os políticos são ladrões descarados", "fulano deveria ser punido severamente", "ele é um sem vergonha". Fica no ar a sensação de que nosso país é corrompido e corroído diariamente por uma escória parasita. Existem ainda alguns que apostam na Lex Talionis - olho por olho, dente por dente. Se o acusado for um pobre coitado, tanto melhor: cortem-lhe as mãos, ceguem-no. A pena de morte mora ali ao lado.

Tenho a vívida sensação de que algumas esferas de nossa sociedade empregam este discurso com maior freqüência e com mais intensidade. A classe média brada por uma justiça de guilhotina; os ricos parecem preparados para aprovar a punição na arena de gladiadores. O pobre, que pouco tem acesso à justiça, pode até murmurar uma ou outro absurdo, mas sabe que não é ouvido. Mas jornais e telejornais do tipo "espreme-sai-sangue" são feitos pela classe média e para a classe média. Os ricos, é claro, assistem TV à cabo e não perdem tempo com o populacho.

É uma hipocrisia dolorosa. Estou aqui, um simples menino do interior, vivendo no centro econômico e cultural da nação - o Sudeste maravilha, a sagrada UNICAMP. Formam-se aqui as futuras gerações, os futuros governantes. Os futuros formadores de opinião, nossos futuros médicos, dentistas, filósofos, sociólogos e artistas são produzidos aqui. A suposta inteligentzia. E ainda assim a hipocrisia é reinante, generalizada. Formam-se adeptos da lei de talião, formam-se os apresentadores e jornalistas hematófagos.

E hoje eu testemunhei a hipocrisia.

Eu voltava da UNICAMP, de carona com um amigo. Minhas preocupações eram simples: chegar em casa, dormir, estudar, comer. Em determinado momento, nossa conversa foi interrompida por uma imprudência no trânsito, logo à nossa frente, ainda dentro do campus. Dois veículos transitavam muito próximos e uma freada brusca quase causou um acidente. Observamos de longe e meu amigo comentou o incidente. Confesso que, um tanto egoísta, não deixei aquilo sequer se tornar uma breve preocupação em minha mente. Não seria a ausência tática de curiosidade e preocupação que nos mantém sãos em um mundo tão confuso?

Alguns poucos minutos depois, porém, a situação agravou-se. A persistência com a imprudência fizeram com que a motorista que vinha na traseira realizasse uma manobra de ultrapassagem, atropelando uma pessoa no processo. Repito: atropelando uma pessoa, arremessando-a para o alto, fazendo com que ela pousasse bruscamente no chão. Imediatamente, meu amigo parou o veículo e descemos. Chamamos a segurança do campus. Assistimos tudo (as chamadas para o SAMU, a chegada da ambulância, o choro e dor da atropelada, o choro e preocupação da motorista) em alta velocidade, pois aquilo que chamam de adrenalina provavelmente estava agindo.

Não vou (e não quero) transcrever a cena inteira, mas não irei me abster de dois detalhes muito importantes. Em primeiro lugar, a vítima do acidente. Parecia ser uma mulher simples, uma trabalhadora, pobre, sem instrução. Sua bolsa barata e seu casaco feio ali, ao seu lado. E ela? Deitada, gemendo e balbuciando, sangrando e babando, um hematoma enorme na testa. Atropelada por uma universitária, com carro importado e cara de menina - uma dolorosa e distorcida representação da realidade brasileira, onde os ricos fodem os pobres, sem dó nem piedade.

Ela recebeu, é claro, socorro médico. A cena, em si, já é chocante. Mas a revolta foi maior. Ao redor da patricinha (e neste ponto ela já não merecia mais o benefício da dúvida ou a amenização de meus preconceitos) aglomeravam-se meninos e meninas bonitos, perfumados, penteados, ingênuos, em forma, com boas roupas. Alguns estavam até sorridentes. Sor-ri-den-tes. A única que chorou, de verdade, foi a motorista. Os outros estavam ali, meio que como se a coisa toda fosse muito pitoresca, mas inofensiva. Como se quem tivesse sido atropelado fosse um cachorrinho de madame.

Percebemos, eu e meu amigo, que o outro carro desaparecera. Percebemos que algo iria acontecer. Havia um cheiro estranho no ar. Assim que a polícia chegasse, os homens de uniforme, o carro com sirene, pistolas, intimidação e a caneta, para registrar o boletim de ocorrência, tudo seria amenizado, aliviado, minimizado. Decidimos permanecer por ali. Algo nos dizia para ficar por ali.

Foi o que aconteceu. Eu estava muito próximo, quando ouvi o policial colhendo o relato da motorista. E eu ouvi claramente quando ela falou que não sabia quem era o outro motorista. Que havia sido "fechada". Que era inocente. Senti-me confuso, irritado, indignado. Senti nojo de fazer parte da Humanidade. Milhares de anos para construirmos uma civilidade tão vã, tão frágil, tão etérea? De que valem as prescrições morais? Onde estão as noções de certo e errado vomitadas diariamente? As regras de civilidade são, afinal, apenas um discurso vazio?

Por fim, acho que fizemos a coisa certa. Enquanto a motorista conversava com sua apavorada mãe, recém-chegada na cena do acidente, nos aproximamos e perguntamos, com a voz meio tímida, entre os lábios, onde estava o outro motorista. Ela confessou, talvez por conta do choque, que não queria envolver o seu amigo em problemas. Nossa resposta veio rápida: que amigo é este que vai te deixar com toda a responsabilidade pelo incidente? Que tipo de caráter tem uma pessoa que foge covardemente, sem sequer dissimular alguma preocupação? Que amizade é essa que vale uma mentira deste calibre? Fomos rudes e intrometidos, mas fizemos o que consideramos certo e praticamente imploramos para que ela relatasse a verdade.

Não me considero um exemplo de cidadão imaculado. Durante minha vida já cometi uma boa cota de erros, infrações e deslizes. Não quero ser o Che, nem Gandhi, nem Luther King. Mas não conseguiria dormir sereno sem jogar aquela verdade na cara da menina ingênua. Diabos, afinal ela quase havia matado alguém, por conta de uma infantilidade, uma brincadeira, uma frivolidade. Sua mãe, percebendo a dimensão do problema, nos apoiou. Não posso imaginar a sua decepção, mas ela tomou uma atitude madura e consciente. O boletim de ocorrência foi, afinal, corrigido.

Qual será o resultado final disso? Não sei. Pode ser que a punição seja leve. Pode ser não ocorra punição alguma. Mas, apesar de chegar em casa arrasado, tive uma certa satisfação lânguida de poder jogar a bosta de volta para seus produtores, de dar um choque de realidade em alguém. Me vinguei do Datena e de todos os vampiros da mídia. Me vinguei do editor do Jornal de Santa Catarina. Desforrei-me dos colegas ricos que zombavam de mim, pelas costas e pela frente, na escola e no clube. Me vinguei de todo playboy que desperdiça o dinheiro público na Universidade. Eles têm tudo: os carros, os bons empregos, as mulheres plásticas da revista e da coluna social, mas eles não podem comprar a dignidade.

Não me sinto muito bem, mas tenho a impressão que segui o conselho do Gandhi: "você deve ser a própria mudança que deseja ver no mundo". Bem, meu velho e finado mártir indiano, saiba que eu tentei.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Brutality

Whatever happened to the fear of god?
Whatever happened to church on sunday?
Whatever happened to the velvet glove
And the iron fist?
Whatever happened to the social season?
Whatever happened to the debutants?
Whatever happened to the South of France?

Good old fashioned brutality
Everything in it's place
Good old fashioned barbarity
Leave the room in disgrace

Whatever happened to drinking and driving
And doing the decent thing?
Hiding out on the continent
Getting over a nervous breakdown
Close the ranks and remove all traces
Say anything to stay out of jail
What it really boils down to:
It always wins, it never fails

Good old fashioned brutality
Everything in it's place
Good old fashioned barbarity
Leave the room in disgrace

Driving back from a late night party
Took a corner much too fast
Head-on collision with the 21st century
Whatever happened to brutality?

Brutality - Black Box Recorder

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Sobre o ano eleitoral (que ano eleitoral? e as Olimpíadas?)

Passado o espetáculo olímpico, as eleições municipais (e até mesmo as eleições norte-americanas) vão tomando espaço nas discussões diárias da população brasileira. Tenho a impressão, porém, de que a cobertura jornalística olímpica foi mais intensiva. A legislação eleitoral atual pode contribuir para isso: redes de TV e rádio, por serem concessões públicas, estão sujeitas a alguns constrangimentos ao veicularem informações sobre as eleições.

Por outro lado, parece que é evidente o desinteresse e a desconfiança do brasileiro médio em relação aos políticos e suas atividades. Daí o fato das eleições serem muito mais uma irritante obrigação, quando poderiam ser vistas como um direito fundamental e uma oportunidade importante. O discurso do "político é tudo igual" impera e a crença no amadurecimento político da democracia brasileira vai sendo assim prejudicado. É claro que a classe política é merecedora da desconfiança que temos com ela. Estudos apontam para uma situação de corrupção endêmica no país e estamos ficando meio anestesiados, meio indiferentes, com os sucessivos escândalos políticos que ganham os noticiários. Porém, para que (ou para quem?) serve apatia política? Vale a pena investirmos nossa inteligência com generalizações sobre a política e deixar que ela se torne algo endógeno, intrinsicamente para a própria classe política? Certamente, virar as costas para os políticos não os tornará menos corruptos.

Eis então a primeira generalização que deve ser analisada: "a corrupção no Brasil apenas cresce e se espalha como um câncer em estado de metástase". A hipótese não é facilmente refutável, é verdade, mas as pessoas analisam a democracia brasileira de maneira muito superficial. Vivemos em uma democracia recente - a Nova República tem, de fato, pouco mais de vinte anos - e nossa tradição política após o Império é marcada por grandes períodos sob os auspícios de ditaduras (primeiro Vargas e depois os milicos). As crises são sempre sinais de mudanças, mas nem sempre são negativas. A crise da corrupção no Brasil (começando talvez com Collor, para chegar em mensalão) pode significar, ao invés de decadência, um crescente amadurecimento político. A corrupção na ditadura obviamente existia, mas estava oculta pela força bruta e repressão. Talvez somente agora estejamos aprendendo a lidar com as inúmeras variáveis em jogo na política, e justamente a proliferação e a repercussão de escândalos políticos sejam o resultado desta crise. É a esfera política da sociedade reagindo. Neste sentido, a apatia encobre todo a experiência pedagógica destes acontecimentos. Os culpados devem ser punidos e as leis devem melhorar, mas para isso o brasileiro deve começar a seu preocupar com o mundo público, com a pólis.

A segunda generalização mais comum pode ser resumida nos seguintes termos: "os políticos são uns vagabundos que não trabalham". Novamente, a própria classe política nos dá motivos suficientes para considerar a hipótese como verdadeira, mas quantos de nós acompanham a vida diária de um político? Quantos dos eleitores sabem como é, de fato, a rotina de seu senador, deputado ou prefeito? Como um exercício de raciocínio sociológico, fico me perguntando a quantidade de trabalho (em um sentido amplo) necessária para criar uma carreira política? Quais os investimentos materiais e emocionais ao longo de uma carreira de vinte anos de carreira política? É certo que maioria dos políticos jamais "pegou no pesado" dentro de uma fábrica, mas em um contexto de uma relativa divisão social do trabalho, eles fazem o esforço que muitos de nós alegremente negligenciou - o combate discursivo e a atividade de tempo integral da exposição pública. Mesmo se pensarmos nas confabulações ilícitas, poderemos concluir que há esforço empregado ali. Sim, isto tudo também é trabalho. Um tipo diferente de trabalho, muitas vezes muito bem remunerado, mas ainda assim um trabalho. Se me perguntarem se os políticos ganham demais, responderei em alto e bom tom: sim! Mas acho que é um tanto apressado dizer que eles não trabalham. Novamente, o fator determinante aqui é a participação política dos eleitores, dos cidadãos, atuando como o controle.

Eu fico imaginando se existe alguma estatística indicando a quantidade de horas que um telespectador médio brasileiro empregou diante da televisão e com a internet no último mês, se informando sobre os Jogos Olímpicos. Digamos, para fins de exposição de meus argumentos, que tenha sido, em média, cerca de míseros cinco minutos diários. Será que a mesma pessoa estaria disposta de investir a mesma quantidade de tempo assistindo o horário eleitoral gratuito ou a TV Senado? Em última instância, eu acredito que uma pessoa deve ter a liberdade de empregar seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, mas tenho uma forte intuição de que o povo tem o governo que merece; enquanto a Olimpíada for mais importante que a política teremos sempre mais do mesmo - vamos culpar os políticos, porque assim é mais fácil. É verdade que a maior parte dos brasileiros não tem condições para acompanhar o processo político em sua plenitude. As pessoas devem trabalhar, cuidar da casa, descansar. Nem todos têm a educação política necessária para entender o jargão e as nuances dos processos políticos. Isto é compreensível. Mas ainda bem que para esta atividade nós temos... OS POLÍTICOS!

Não é incrível?