sábado, 7 de fevereiro de 2009

The Bends

Por volta do final de 1994, o Radiohead era uma banda encurralada entre o sucesso de Creep (o single de 1992) e as expectativas dos milhares de órfãos de Kurt Cobain, que procuravam o próximo rock star atormentado para ser adorado; Creep era um bom single - quem não se lembra dos golpes de distorção desferidos por Jonny Greenwood? - mas não era suficientemente inovador para escapar de sua própria aura pop/grunge e livrar a banda do rótulo de "one hit wonder"; sobretudo, seu sucesso ofuscava todo o resto da produção da banda, como o irregular (mas promissor) disco Pablo Honey (onde, talvez, You seja um ponto alto, acompanhado por Anyone Can Play Guitar).

Da suposta insatisfação da banda com o showbizz e da mente criativa de seus membros, surgiu uma saída. Quase como uma declaração de princípios ou panfleto, o single My Iron Lung representava, simultaneamente, uma auto-crítica um tanto irônica e um avanço estético sem precedentes para a banda. Quando Thom Yorke canta "this is our new song/just like the last one/a total waste of time/my iron lung" está se referindo ao sucesso anterior de maneira um tanto cifrada, um tanto ambígua, relacionando o hit com os equipamentos de respiração artificial dos hospitais (o iron lung do título e da letra) - um apoio, mas ao mesmo tempo, uma restrição. Se as letras da música começam a demonstrar aquele tipo de insatisfação que se tornaria marca registrada de Yorke, a execução era arrebatadora. Gravada ao vivo, no London Astoria, foi lançada daquele modo visceral, urgente, fascinante e impecável! Somente o vocal foi regravado posteriormente em estúdio. Temos ali, uma grande banda (com três guitarristas esmirilhando seus instrumentos sem dó, uma cozinha coesa), uma composição que faz o Pablo Honey parecer coisa de criança pequena e uma letra genial. Estava dado o primeiro passo para escapar da sombra de Creep e de Cobain.

Meses depois, a banda lançou seu segundo LP, chamado The Bends. Melancólico em essência, mas pontuado por rocks competentes, era uma evolução natural - tudo fluía naturalmente do pueril Pablo Honey em direção ao terreno cerebral consagrado posteriormente em OK Computer. No Brasil, a música Fake Plastic Trees ficou conhecida por ter sido utilizada em um comercial de televisão. É uma boa (e tristonha) balada, mas não reflete o conteúdo total do disco. Planet Telex, a primeira canção do disco, investe em um leve experimentalismo, com teclados etéreos e timbres de guitarras carregados de eco se misturando, enquanto Yorke afirma que "tudo está quebrado". Mas, de fato, nem tudo está quebrado. The Bends vêm em seguida, mantendo o bom nível do disco e mostrando mais coesão do que disfuncionalidade. Para quem gosta do Radiohead guitarreiro, é um prato cheio. Aqui, eles tomam o caminho iniciado em My Iron Lung e o ampliam. 

High and Dry é a primeira balada do disco. É cândida e tenra na execução, mas a letra não é exatamente uma propaganda de margarina. É acompanhada de perto por Fake Plastic Trees, desagradando os roqueiros de carteirinha, mas demonstrando que é possível ser, ao mesmo tempo, singelo e inteligente. Se existe nas letras de Thom Yorke qualquer apelo ao sentimentalismo e ao romantismo, ele normalmente estará associado como uma certa desconfiança, um quê de decepção e de fossa, devidamente interpretadas pelo vocalista. Bones anima o disco, novamente as guitarras alternando entre ecos, efeitos e distorções, guiadas por um baixo bem marcado e citações ao Prozac e Peter Pan. Nice Dream, outra balada carregada no violão, destaca-se pelo vocal choroso de Yorke, cordas e backing vocals bem arranjados e vai crescendo para dar lugar à genialidade dos guitarristas Ed O´Brien e Jonny Greenwood. 

O que vem depois? Duas porradas! Just (não perca o enigmático clipe) alterna de humor e leva o ouvinte para uma digressão sobre o egoísmo humano. Greenwood novamente se sobressai e arranca um solo estiloso, calcado em efeitos, que faria Tom Morello ficar invejoso. Em seguida, a nunca-por-demais-citada My Iron Lung, encerra a primeira metade do disco, indicando o cardápio variado que os ingleses tem para oferecer: da depressão à paranóia, com uma parada no sarcasmo e desprezo. 

O clima na segunda metade do disco vai ficando mais soturno. A seqüência estabelecida com Bullet Proof (I Wish I Was), Black Star e Sulk é uma trilha perfeita para uma dor de cotovelo e para os momentos mais introspectivos. Talvez o Radiohead tenha ficado marcado por muito tempo (e com razão) por esta faceta de sua produção musical, mas é preciso ressaltar que eles estabeleceram, para o bem ou para o mal, um filão adotado por bandas como Travis, Coldplay e Muse. A grande diferença a favor do Radiohead é o ineditismo e a produção pouco afeita às convenções do pop. E a conclusão é pode ser tirada a partir exatamente da última música do disco, Street Spirit, linda de doer, original e executada com apuro - dotada de um clima soturno, mas ainda apontando para algo mais. No caso da banda, esse algo mais viria dois anos depois com o impecável OK Computer.





Mas isso fica para outra hora...