sexta-feira, 21 de novembro de 2008

"Ice Age Coming, Ige Age Coming..."

Parece que estamos esperando o novo crash, parece que estamos prestes a repetir 1929. O senso de alarme espalha-se rapidamente: notícias sobre bolsas em queda, bancos falidos, retração e desemprego são repetidas exaustivamente. E os economistas vão adquirindo grandiosa visibilidade - não há notícias sobre essa crise que venha desacompanhada do laudo de um economista.

Ao contrário dos sociólogos que (infelizmente) ainda não conseguiram se estabelecer como membros de uma profissão dotada de grande poder simbólico para explicar a realidade, os economistas são os legítimos especialistas, arautos do apocalipse financeiro que se avizinha. A crise fala através dos economistas: quantos de nós são capazes de compreender o funcionamento de uma bolsa de valores? Quantos podem discorrer sobre a economia estadunidense? A Economia (falando em termos disciplinares) possui, sim, uma variedade enorme de explicações sobre a realidade. Ela é prolífica e polissêmica. Mas nestes momentos de crise parece ser dotada de uma unicidade e densidade inquebráveis. A explicação é exclusividade da Economia.

Mas pensando cá com meus botões, tenho a audácia de sugerir que a Economia é muitas vezes modesta. Em nome desta exclusividade na produção de significados, a Economia restringe seu alcance. Pensamos em termos de um mercado onipresente, pensamos em leis universais. A crise é um construto lógico criada a partir da realidade, é verdade. Mas ela é fruto da visão economicista e não reflete necessariamente a experiência econômica vivenciada diariamente pelas pessoas comuns. Por ser produzida com requintes de cientificidade, possui poder performativo, mas não pode ser concebida como a única realidade econômica possível. Existem áreas da vida econômica cotidiana que a Economia tradicional parece ser incapaz de alcançar. O gerenciamento de recursos domésticos, redes de relacionamento interpessoal ou o consumo de bens com valor estético me parecem ser bons exemplos, mas uma mente criativa pode imaginar muitas outras aplicações cotidianas para a Economia.

A evidência (e iminência) da crise nos dá a impressão de que a Economia está em todos os lugares. A racionalidade do homo economicus parece ser o modelo adotado por todos os seres humanos. Mas não existe uma racionalidade econômica única e universal! Existem infinitas "economias" que dependem de (e modificam) um ambiente social onde estão localizadas. Assim, creio que um pouco de treino em Sociologia e Antropologia não faria mal aos economistas. A noção de um modelo civilizatório único já me parece (quase) superada nestas disciplinas, enquanto os economistas ainda sonham e constroem modelos universais, impondo-os, de um modo ou outro, aos leigos.

O mais curioso é que esta crise aparentemente tão terrível só existe por conta da própria disciplina econômica e sua influência social. Os economistas parecem pais amargurados, discutindo sobre um filho problemático, mas sem nunca admitir que são co-responsáveis pelos problemas. A Economia (disciplina) de certa maneira (re)cria a economia (os mercados) e parece que nem se dá conta disso. Mas, o mundo não acaba quando as grandes economias fracassam. O mundo se modifica, em maior ou menor grau. Enquanto existirem seres humanos, existirão mercados, bens, capitais, enfim, "economias". Acho que a maioria dos economistas ainda não percebeu isso.

(e as bolsas de valores, como andam hoje?)

domingo, 16 de novembro de 2008

Fascínio e distanciamento; fascínio e experiência

Músicos existem por aí, aos montes. Os jovens adolescentes que querem aprender a tocar guitarra para poder montar uma banda, os artistas de rua que esperam uma esmola, os invisíveis operários da indústria musical, anônimos que compõe e gravam os jingles que ouvimos no rádio e televisão. Utilizando uma metáfora visual a qual todos estamos habituados, posso afirmar que eles são a base de uma pirâmide social. Eles são a "classe D" do showbizz.

No topo da pirâmide estão as estrelas da MTV, do rádio e dos programas de auditório. Muitos deles ascenderam socialmente, outros herdaram posições de familiares, outros foram fabricados e colocados no estrato superior por conta de interesses e esforço alheio. Não importa. Todos eles ocupam uma posição distinta: eles são exemplos e estão posicionados onde todos os outros querem chegar; eles têm capacidade de determinar, em maior ou menor grau, a dinâmica deste espaço social, indicando tendências a serem seguidas; eles causam fascínio, apesar de distantes.

Na semana anterior, eu tive a oportunidade de ir ao show do R.E.M., grupo americano que há muito me fascina pela qualidade e pela estética específica. E lá eu estava, reforçando a posição privilegiada daqueles estadunidenses, reforçando o sentido de esoterismo (no sentido de mistério, secretismo) daquelas pessoas. Pessoas normais alçadas à condição de semi-deuses vagando pela Terra? Sim, é verdade. E é assim que o showbizz e o mundo do pop-rock funcionam.

Dizem que a distância garante o encantamento. O que poderia acontecer depois de testemunhar aquelas pessoas ao vivo, sem os recursos e filtros da mídia, da divulgação cuidadosamente estudada? Eles manteriam seu fascínio? Poderiam eles corresponder à expectativa criada em torno de sua entidade coletiva, o R.E.M.? Ou tudo depende dos mecanismos da indústria musical?

Ainda que seja difícil dizer o quanto o fascínio ainda guiava minhas impressões, mas a experiência de vivenciar o R.E.M. ali, a poucos metros de distância, me fez pensar que talvez o showbizz não seja exatamente uma grande construção maquiavélica para criar ídolos e vender discos. O denuncismo conspiracionista anti-capitalista não serve exatamente para muita coisa e a força da apresentação, as boas execuções das músicas, a presença de Michael Stipe no palco não destruíram o fascínio. O encanto foi, na realidade, reforçado pela experiência. Se eles não fossem os famosos músicos, se eu os assistisse em qualquer festival medíocre, eu creio que ainda ficaria impressionado.

Por outro lado, é difícil negar o poder que o público concede quando canta em um uníssono de centenas de vozes. Ou quando aplaude vigorosamente. O êxtase do show de rock deve ser muito parecido, afinal, com o êxtase religioso. Explica-se pelo fascínio, mas também pela dimensão coletiva, de compartilhamento, de comunidade. Tentemos imaginar o polissemia de significados pessoais atribuídas ao hit "Losing My Religion", por exemplo. Ao cantar em voz alta, todos nós reforçarmos este significado pessoal e afirmamos que aquilo possui um sentido específico.

No final das contas, eles possuem condições de causar fascínio por conta de suas qualidades como músicos ou dependem do culto dos fãs? A resposta ideal deve incorporar estes dois elementos. Eles não são semi-deuses, mas também não são pessoas comuns. Eles são bons músicos, mas o show deve muito aos fãs. O evento se explica em si, e não por conta apenas de um suposto poder simbólico do rock star. E, analisando por esta ótica, o show foi uma ótima experiência. They really rocked out!

(um abraço para o Evanio, fã do R.E.M. e companheiro no show!)